João Alvarenga
O enigma dos sonhos
Antes, consultavam os oráculos de pedra. Hoje, as páginas da internet
“A cigana leu o meu destino, eu sonhei... bola de cristal, jogo de búzios, cartomante, eu sempre perguntei... o que será o amanhã?”. Esses versos fazem parte da música “O amanhã”, que ganhou fama na voz da cantora Simone. Eles abrem este texto, a fim de preparar o espírito para o propósito de hoje: refletir sobre um dos maiores enigmas da humanidade, que tem inquietado a todos, de plebeus a imperadores, dos religiosos aos céticos do mundo inteiro, ao longo da História. Sabe qual? Caso tenha pensado em sonhos, acertou!
Porém, não se engane; afinal, tal tema passa longe dos projetos de vida ou realizações que as pessoas acalentam. No fundo, a questão, aqui, é outra! Ou seja, trata-se de uma imersão ao mundo onírico, no qual o ser humano tem uma pálida impressão da realidade. Afinal, durante a noite, não há controle sobre o que surge na mente. Geralmente, são imagens desconexas que todos tentam desvendar, principalmente quando são presságios.
Tanto que há vários registros, no mundo antigo, de oraculistas que interpretavam os mistérios que rondavam o sono dos imperadores e os atormentavam. Pelos achados arqueológicos, o “Oráculo de Júpiter” é considerado como o mais antigo dos oráculos gregos; porém, o “Oráculo de Delfos”, do templo de Apolo, era o mais famoso da Grécia antiga. Estudos dizem que sacerdotisas empenhavam-se em desvendar o insondável, a fim de prever tragédias.
Inclusive, nos textos sagrados, há várias passagens envolvendo premonições. No entanto, o registro mais conhecido é o que se refere à figura de José, que tinha o dom de interpretar enigmas. Vendido por seus irmãos aos egípcios, tornou-se governador do Egito, depois que interpretou os sonhos de um faraó da dinástica dos hicsos. Graças à sua capacidade de antever o futuro, livrou o povo das consequências de uma terrível seca.
É fundamental observar que a arte de interpretar fantasias noturnas sempre acompanhou o ser humano, desde os primórdios. Nesse contexto, há, também, registros de oráculos do mundo celta, como observa um poema do século nove da era cristã, que faz referências às famosas “runas”, termo nórdico que significa mistério. Ou seja, as sacerdotisas escandinavas desvendavam os segredos contidos nos pesadelos.
Com isso, fica muito evidente que esse assunto é bastante fértil no campo do esoterismo, de várias seitas e correntes filosóficas. Tanto que ciganos, magos e bruxas sempre se aventuram na arte de interpretar os encantamentos criados pela imaginação, durante o repouso noturno. Inclusive, muitos autores se interessaram pelo onírico.
Mas, em “A hora da estrela”, Clarice Lispector brinca, ao mostrar que nem toda previsão tolhe o destino. Se mesmo assim, caso o leitor tenha a curiosidade de saber o significado de seus sonhos, a obra “Dicionário dos Sonhos”, de Zolar, é um compêndio fascinante, embora cause calafrios.
Mas, qual a razão de tanto pavor? Dizem os místicos que o estado letárgico possibilita o desligamento do mundo físico para que haja a conexão com o astral. O Kardecismo defende a tese de que o espírito, durante o sono, “viaja para outros mundos”. Seja para aprender, por meio de vivências extrafísicas ou, quem sabe, reencontrar entes queridos desencarnados.
No entanto, essa temerosa questão não ficou restrita ao campo místico, pois especialistas que estudam a mente humana também devotam suas vidas à análise da psiquê noturna. O foco é um só: o que acontece com a mente enquanto dormimos. Nesse contexto, Sigmund Freud chegou a escrever uma obra na qual sonda o lado obscuro do cérebro. Assim, focou as telas de Salvador Dalí. Para o “pai” da Psicanálise, o pintor surrealista materializou os pesadelos humanos.
Nessa seara, há quem diga que os sonhos visam compensar as frustrações, já que o cotidiano apavora. Logo, a arte de interpretar os sonhos atravessou os séculos. Antes, consultavam os oráculos de pedra. Hoje, as páginas da internet. Bom domingo!
João Alvarenga é professor de redação