João Alvarenga
Sobre a inveja
"Devemos entender o passado, para que os erros não se repitam, principalmente os desvios de conduta"
Talvez, dentre todas as atitudes condenáveis praticadas pelo ser humano, a inveja seja das mais desprezíveis, porque desencadeia uma série de outras ações nefastas que tanto podem despertar o ódio quanto provocar guerras. Porém, o impulso de se desejar algo que pertence a outrem é mais antigo do que se imagina.
A Bíblia é o primeiro registro oficial desse sentimento tão estudado pelos psicanalistas, pois mostra que Caim, ao perceber que os sacrifícios de Abel eram mais aprazíveis aos olhos do Senhor, tomou uma atitude drástica que maculou as escrituras: sem pestanejar, tirou a vida de seu irmão.
No entanto, esse fratricídio motivado pela inveja não foi o único que os olhos humanos viram. Afinal, atos terríveis vieram, ao longo da linha do tempo, com várias contendas entre familiares, amigos e nações.
Geralmente, os conflitos, entre os países nascem justamente por três grandes forças: solidificação econômica, poder e expansão territorial. Todavia, tais forças encontram na cobiça pelos bens de terceiros o combustível ideal. Energia que tem gerado tragédias que marcam a história da humanidade com dor, sangue e lágrimas.
Tanto que historiadores arriscam dizer que o domínio de territórios (inclusive o desenho geopolítico dos países) entre as nações do mundo antigo se deu pela conquista de terras estrangeiras.
Para isso, imprimiam grande potência bélica, com formação de exércitos e confiscos de propriedades, além do extermínio em massa dos supostos inimigos. Assim, os chamados genocídios eram frequentes. Tal Fenômeno gerou, na Idade Média, os grandes feudos, concentração de terras e a figura da nobreza.
Já na 2ª Guerra Mundial, segundo o pesquisador Marcelo Augusto Paiva Pereira -- em artigo publicado neste jornal -- Hitler, numa visão megalomaníaca, desejava tornar o mundo uma única nação germânica.
Para isso, não hesitou em confiscar a riqueza da comunidade judaico-alemã, economicamente ativa numa Alemanha massacrada pela 1ª Guerra Mundial. Almejou montar um potentíssimo exército capaz de efetivar tal plano maligno. Assim, a ação nazista não só solapou a riqueza da comunidade hebraica, como promoveu o extermínio de seis milhões de judeus.
Todavia, o mais cruel é saber que, depois de decorrido tanto tempo desses fatos, documentários desvendam uma sórdida trama: a construção dos campos de concentração só se tornou possível graças ao confisco de bens e propriedades de judeus abastados.
Logo, à medida que essa comunidade era descapitalizada, a crueldade só aumentava de proporção, numa escalada de horror que resultou no Holocausto, um dos episódios mais macabros da história da humanidade.
Mas, graças à revisão da história, muitos fatos sórdidos foram desvendados. Em 1979, a obra “Genocídio Paraguaio”, do jornalista J.J. Chiavenato, contesta a versão oficial dessa guerra. No livro, a expansão territorial motivou o massacre. Ou seja, a inveja foi estopim.
No fundo, esse espírito revisionista que tomou conta de alguns historiadores é necessário, pois devemos entender o passado, para que os erros não se repitam, principalmente os desvios de conduta.
Apesar de tanta maldade causada pela inveja, há quem a considere, em certa proporção, necessária para tirar as pessoas da inércia. Ou seja, muitos acreditam que invejar pode ser positivo, porque nos tira do comodismo, a fim de buscar melhorias.
É o que chamam de “inveja branca”. Logo, a frase: “nosso vizinho, que é professor, já trocou de carro três vezes. E, você, empresário renomado, há anos roda nessa lata velha”, não é vista como pecado, mas um estímulo para mudar de vida.
Sobre isso, a música “O invejoso”, de Arnaldo Antunes, zomba de quem não se contenta com o que tem, pois o espírito competitivo faz parte de uma sociedade capitalista, cujo hedonismo se tornou regra. Na letra, fica evidente que todo invejoso é um ser infeliz, pois nada o satisfaz. Realmente, isso é uma pena! Bom domingo!
João Alvarenga é professor de redação