Vanderlei Testa
As janelas do Mosteiro de São Bento
Sorocaba comemora 369 anos e desconhece essa pérola valiosa, em uma preciosa galeria de artes. O “Solar da dona Cecy” é um espaço criado pelo Jorge Vicente Luz, colecionador de pinturas. A sensibilidade do artista Nelson Molina, de Sorocaba, está estampada nas cores impressionistas das pinturas do ateliê do advogado aposentado, filho da costureira Maria Cecília França Luz e do carpinteiro Jorge Pedro Luz. O sorocabano Jorge Vicente montou uma galeria de arte na casa onde nasceu, no centro da cidade, nomeando-a com uma placa: “Solar Dona Cecy”. É um museu de pinturas digno de estar entre os mais bonitos que já visitei. São dezenas de quadros com molduras especialmente produzidas, em Minas Gerais. Não há móveis nos ambientes, apenas iluminação direcionada nos spots que enchem de brilho os olhos de cada personagem retratado por muitos artistas plásticos do Brasil.
A mãe do Jorge Luz preenchia o seu tempo com pincéis e tintas em telas. Dona de casa, foi pintora e motivou os filhos à arte. Duas filhas e dois filhos seguiram os seus passos e, nas paredes, expõem as obras impressionistas, de cenas de barcos, paisagens, personagens históricos da história do Brasil e do mundo, além de um painel, em especial, do Mosteiro de São Bento. Uma breve parada nesse quadro que retrata a fachada, atualmente em obras de restauração. Para o Jorge, a lembrança do pai carpinteiro enche os seus olhos de emoção, ao apreciar essa pintura. É que seis janelões azuis -- ainda existentes no Mosteiro de São Bento de Sorocaba -- foram artesanalmente construídos por seu pai, o carpinteiro Pedro.
Entre as imagens que constam do ateliê, o óleo sobre tela de um cacique xavante com cocar, do artista Oswaldo França, tem uma riqueza de detalhes impressionantes. Oswaldo nasceu em Sarapuí e passou anos de sua adolescência em Sorocaba. A sua vocação como desenhista, na época, o levou a trabalhar na Companhia Nacional de Estamparia (Cianê), destacando-se pelo dom artístico.
Nos anos de 1950, Oswaldo França decidiu viver nos Estados Unidos. Inicialmente em serviços numa fábrica de bicicletas, foi descoberto por recrutadores de talentos para fazer teste nos Estúdios Disney, no Departamento de Desenhos Animados. A sua capacidade criativa o levou ao sucesso durante 10 anos na Disney, onde ele desenhou vários artistas de cinema, como Kim Novak, Rock Hudson, Jeff Chandler e John Wayne. O presidente John Kennedy faz parte da sua coleção de astros internacionais.
Casado com Lúcia Helena Moron Luz, o Jorge Pedro também se orgulha de ver na sua galeria os quadros pintados por sua mãe e os da esposa, que assina “Lucinha” nas telas. Um dos salões de exposição tem o nome de “Nilza Luz Sabadin”, em homenagem a sua saudosa irmã e professora de Sorocaba, que deixou um legado de pinturas expostas exatamente no quarto em que dormia quando criança. Jorge relata que, ao estar nesse ambiente, vem à sua memória a infância, quando acordado, com “medo do escuro”, segurava a mãozinha da Nilza, que dormia no berço ao lado.
Na visita ao ateliê, aprecio a carruagem puxada por quatro cavalos, correndo dos índios que a perseguiam nos desfiladeiros norte-americanos. A figura do rosto do apóstolo São Pedro, em penitência, com uma lágrima no olho esquerdo, descendo pela face, é emocionante. O quadro do artista Nilo Siqueira, de Amparo, retratou “A prece”, com um escravo com as mãos postas em oração e um terço que ele usava, ao olhar para a Virgem Maria. Na tela, nota-se o olhar de quem revela, no silêncio da senzala, o seu sentimento de fé e amor.
Na galeria, destacam-se, também, as lavadeiras, com os seus lenços amarrados na cabeça, no pequeno riacho. As roupas brancas e bacias sobre as pedras manifestam, na pintura, uma cena meiga e sagrada pelas mãos calejadas das mulheres. A Obra “Simplicidade”, do pintor Celso de Oliveira, da cidade de Campo Largo (PR), toca profundamente o mais íntimo dos apreciadores de arte. Na tela, contempla-se uma senhora, com os seus mais de 90 anos de idade, no fogão a lenha, que queima e aquece uma panela rústica pronta para despejar a água quente esfumaçada na vasilha de ferro fundido.
Vanderlei Testa é jornalista e publicitário; escreve às terças-feiras no jornal Cruzeiro do Sul ([email protected]