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Dom Julio Endi Akamine

Riqueza e pobreza

O apego aos bens espirituais nos leva a nos julgar superiores aos outros e de achar que não dependemos de ninguém do ponto de vista espiritual

05 de Agosto de 2023 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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A partir de sua própria experiência, São Paulo nos ensina o que é a pobreza espiritual (Fl 3,3-8). A pobreza é uma atitude espiritual de desapego dos bens materiais e espirituais.

O apego aos bens materiais e espirituais é uma atitude que nos separa de Deus e dos outros. Por quê?

O apego aos bens materiais ocorre em três graus relacionados entre si.

O primeiro grau de apego às riquezas é aquele motivado pelo desejo de não sentir falta de nada, de possuir tudo o que é necessário para a satisfação de nossas necessidades. Esse desejo nos leva a acumular bens e riquezas.

O segundo grau de apego é o de não querer depender de ninguém. Quando temos tudo o que é necessário não precisamos pedir nada a ninguém. É algo espontâneo em nós o desejo de não depender de ninguém, de não dever favor algum, de ser independente e de ser o credor dos outros.

O terceiro grau de apego consiste no comportamento de se sentir superior aos outros. Possuir muitos bens, proporciona ao rico a possibilidade de olhar os outros como seus inferiores.

O mesmo podemos dizer do apego aos bens espirituais. Não é que não devamos buscar ser virtuosos, cumpridores de nossas obrigações, honestos em relação aos outros e piedosos em relação a Deus. O problema é o apego a esses bens nos seus três graus.

São Paulo chama esse apego de “carne”: “Bem que eu poderia pôr minha confiança na carne. Se algum outro pensa que pode confiar na carne, eu ainda” (Fl 3,4). “Carne” são todos os bens espirituais dos quais nos apropriamos para nos vangloriar. O apego aos bens espirituais nos leva a nos julgar superiores aos outros e de achar que não dependemos de ninguém do ponto de vista espiritual.

São Paulo confessa que era esse tipo de apego aos bens espirituais no qual tinha caído. “Fui circuncidado no oitavo dia, sou da raça de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu filho de hebreu. Em relação à Lei, fariseu, pelo zelo, perseguidor da Igreja de Deus; quanto à justiça que vem da Lei, sempre irrepreensível” (Fl 3,5).

“Sempre irrepreensível”: essa era a atitude de Paulo. Julgava-se muito rico de bens espirituais: não lhe faltava nada, não dependia de ninguém e, assim, se considerava superior aos outros e credor de Deus. Ele tinha todos os méritos oriundos do cumprimento da Lei de Deus e, por isso, podia olhar os outros com altivez.

Ele, porém, reconheceu que todo esse apego à sua riqueza espiritual acabava, no fim das contas, separando-o de Cristo. É por isso que ele afirma: “Essas coisas, que eram lucro para mim, considerei-as como prejuízo por causa de Cristo” (Fl 3,7).

Paulo compreendeu que, se entrincheirando em seus méritos e qualidades pessoais, estava se separando de Cristo. Confessou que se encontrava na atitude oposta de quem é pobre diante de Cristo. Compreendeu que para estar com Cristo é preciso ser mendigo diante de Deus. É preciso “mendigar” a salvação como o miserável que depende da misericórdia do Senhor. Por fim, essa atitude espiritual de pobreza diante de Deus, nos leva a não sermos arrogantes em relação aos nossos irmãos e irmãs.

Cristo é um dom que não merecemos; é o dom gratuito de Deus comunicado unicamente pela misericórdia divina.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo da Arquidiocese de Sorocaba