Dom Júlio Endi Akamine
Pão com Queijo
Foi pão com queijo no café da manhã, almoço e jantar. Havia variações, mas, com o passar do tempo, até o estômago mais resistente começou a reclamar
Era para ser a viagem dos sonhos. Foi preparada e contou com a mobilização de toda a família. Fizeram sacrifícios e renúncias; deixaram de fazer passeios, férias, compras; até o pet participou do projeto familiar.
Não era a primeira vez. Já tinham feito outros projetos comuns bem-sucedidos: veículo novo, casa maior e intercâmbio para os filhos. Era uma família que tinha aprendido a planejar e realizar projetos comuns.
Esse último projeto era mais dispendioso pelo pouco tempo, mas todos abraçaram com responsabilidade aquela futura viagem em navio de luxo. Ajuntaram dinheiro suficiente. Compraram as passagens que incluíam cabine de luxo para os pais e agrados para os filhos, espetáculos musicais e jogos para todos.
Antes da partida, em mais uma reunião de planejamento, a família refez as contas das despesas e os recursos disponíveis. Mais uma vez todos estavam conscientes da necessidade de se engajar no projeto. Tomaram a decisão de não fazer as refeições no restaurante do navio para continuar economizando. Sabiam que não podiam transformar a viagem dos sonhos em um pesadelo de boletos a pagar depois que ela terminasse. Levaram comida de casa e partiram animados.
A comida levada, porém, era somente pão com queijo. Foi pão com queijo no café da manhã, almoço e jantar. Havia variações, mas, com o passar do tempo, até o estômago mais resistente começou a reclamar. Além disso, havia o entojo que a repetição daquele prato causava. Aguentaram firme até o limite da resistência. Por fim, foi convocada uma reunião de emergência para dar fim ao drama que tinha se transformado o pão com queijo. Decidiram que era hora de parar com aquele sofrimento, afinal no dia seguinte iriam concluir a viagem e não queriam levar na bagagem a memória daquele maldito pão com queijo. Foram fazer a última refeição no restaurante do navio que, por sinal, era excelente: cozinha internacional, pratos bem-preparados e finalizados, bebidas selecionadas por um experiente e famoso sommelier, ingredientes de primeira qualidade e um serviço atencioso e prestativo.
Foi a reconciliação com a viagem que ameaçava de ser recordada como a “tortura do pão com queijo”. Todos puderam não só degustar uma refeição deliciosa, mas sobretudo ganharam uma memória compensadora e gratificante.
Quando, porém, terminaram a refeição, veio a surpresa desagradável. Ao pedir a conta, o garçom demonstrou perplexidade. Chamou o responsável do restaurante que veio em seguida, demostrando evidente desconforto sentido também pela família: queriam pagar e não entendiam a dificuldade em trazer a conta.
Com embaraço o gerente do restaurante teve que explicar que a família tinha adquiro uma passagem de primeira classe, o que lhe dava direito de tomar todas as refeições sem ter que pagar mais nada pelo serviço.
Caro leitor, querida leitora. Como sempre uma fábula define muito pouco, mas sugere muito. Pode ser aplicada para muitas experiências que fazemos.
Na vida cristã, há os que se contentam apenas com suas orações pessoais e não percebem que tem à disposição a oração da Igreja que é a sagrada liturgia. Quando celebro a missa percebo que o “pão com queijo” de minha oração pessoal é assimilado e elevado à oração sacerdotal de Cristo que se dirige ao Pai na força do Espírito Santo.
Há alguns que se sentem satisfeitos com uma interpretação pessoal da Bíblia e não caem na conta de que podem receber como alimento espiritual uma tradição milenar de interpretação e prática que é guiada pelo Espírito Santo.
Há outros que se contentam somente com a sua fé pessoal. Quando, porém, recito o creio na assembleia dominical recebo o consolo de saber que o pão com queijo de minha fé pessoal se torna o “nós” da Igreja que crê com a fé heroica dos mártires e dos santos, com a humildade e simplicidade dos prediletos de Deus, com a ortodoxia dos doutores da Igreja, com a integridade da Igreja que congrega em si todos santos e santas de Deus.
Há os que dizem se confessar “diretamente” com Deus. Não duvido que essa prática possa fazer o fiel a experimentar que Deus o perdoa, mas, quando confesso os meus pecados no sacramento da reconciliação, faço a experiência de ser mergulhado no mistério pascal de Cristo, de contar com a intercessão da Igreja inteira e de receber o sinal visível do perdão de Deus na absolvição sacramental.
Pão com queijo é bom, mas não nos contentemos somente com ele!
Dom Júlio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba