Buscar no Cruzeiro

Buscar

Dom Julio Endi Akamine

A Vocação Cristã e Empreendedorismo

Muitas são as vocações: a uns Deus chama para o ministério sacro, a outros para a constituição de família

15 de Julho de 2023 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
placeholder
placeholder

O cristão é constituído pela vocação. O chamado de Deus não é um acréscimo extrínseco aos cristãos, e sim constitutivo de sua identidade. O que é o DNA para as nossas características genéticas, é a vocação para nossa identidade cristã: somos o que somos por causa do chamado de Deus.

Muitas são as vocações: a uns Deus chama para o ministério sacro, a outros para a constituição de família. Há chamados mais específicos como é o caso das profissões e dos encargos.

Podemos considerar o empreendedorismo também como uma forma de concretização do chamado divino. Vista dessa forma, a atividade empresarial dá um salto qualitativo: não é somente uma atividade de geração de riqueza e de exercício da criatividade, mas passa a ser uma maneira de participação na ação criadora de Deus. De fato, Deus colocou o ser humano no jardim para que cuidasse dele.

O mundo e o ser humano não saíram das mãos de Deus acabados; eles não são perfeitos nem imperfeitos; são perfectíveis. Evidentemente, Deus poderia ter criado tudo já acabado, sem a necessidade de um processo de aperfeiçoamento e de mudança, mas não o fez, e nós não temos como entrar nas intenções do Criador.

É, portanto, lícito a nós considerar que Deus quis a cooperação do homem na obra da criação. Ela é uma obra aberta que pode receber uma ulterior perfeição do homem. Aperfeiçoando e humanizando o que o circunda, o próprio ser humano se aperfeiçoa. Uma vez que o mundo é limitado e perfectível, o homem pode exercer nele a sua inventividade e ação criadora.

Assim o progresso humano, no senso autêntico da palavra, não contradiz a providência divina. Pelo contrário, o desenvolvimento humano (também o econômico) é suscitado, sustentado, assumido e plenificado pela Providência Divina. O desígnio do Criador para a sua criação, manifestado já desde a origem do mundo, é a perfeição humana, na qual a humanidade colabora com o melhor de si e com todas as suas forças para a sua própria superação oferecida por Cristo no Espírito Santo.

Essa participação do homem na ação criadora de Deus não é sinal de fraqueza e sim manifestação máxima da grandeza do Criador. A suma perfeição de Deus consiste exatamente em conceder à sua criatura a capacidade de colaborar com Ele. Por ser uma criatura inteligente e livre, o ser humano é capaz de ser um verdadeiro cooperador na obra criadora de Deus. Participando da ação criadora de Deus, o ser humano faz com que a natureza desenvolva as suas potencialidades e receba uma feição humana. No desígnio do Criador, sem a ação criadora do homem, a natureza nunca chegará à sua perfeição. Por isso, é errada a concepção que entende Deus como um freio ou um obstáculo à liberdade criadora do homem.

Assim é também o empresário cristão: ele não somente se ocupa de bens materiais, dinheiro e coisas. Ele se ocupa das pessoas que são o maior bem da empresa. A doutrina social da Igreja considera a liberdade da pessoa em campo econômico um valor fundamental e um direito inalienável a ser promovido e tutelado. Todos têm o direito de iniciativa econômica e devem usar legitimamente de seus talentos para contribuir com uma abundância que seja de proveito a todos e para colher os justos frutos de seus esforços.

A iniciativa livre e responsável em campo econômico pode ser definida como um ato que revela o ser humano como sujeito criativo e relacional. Tal iniciativa deve gozar, portanto, de um espaço amplo. O Estado tem a obrigação moral de pôr vínculos estreitos somente em vista das incompatibilidades entre a busca do bem comum e o tipo de atividade econômica ou as suas modalidades de realização.

A dimensão criativa é um elemento essencial do agir humano, também em campo empresarial, e se manifesta especialmente na aptidão de planejar e de inovar. Com efeito, a riqueza principal do homem é, em conjunto com a terra, o próprio homem. É a sua inteligência que o leva a descobrir as potencialidades produtivas da terra e as múltiplas modalidades através das quais podem ser satisfeitas as necessidades humanas.

A empresa deve caracterizar-se pela capacidade de servir ao bem comum mediante a produção de bens e serviços úteis. Além de tal função tipicamente econômica, a empresa cumpre também uma função social, criando oportunidades de encontro, de colaboração, de valorização das capacidades das pessoas envolvidas. Na empresa, portanto, a dimensão econômica é condição para que se possam alcançar objetivos não apenas econômicos, mas também sociais e morais, a perseguir conjuntamente.

A empresa não pode ser considerada apenas como uma ‘sociedade de capitais‘; é simultaneamente uma ‘sociedade de pessoas‘, da qual fazem parte, de modo diverso e com específicas responsabilidades, tanto os que fornecem o capital necessário para a sua atividade, quanto os que colaboram com o seu trabalho.

Dom Júlio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba