Nildo Benedetti
Filmes do Youtube: ‘Mother’ (‘Mãe’) (parte 3 de 3)
Na parte 2 desta série de artigos procurei justificar o método de crítica que utilizei para afirmar que “Mother” pode ser ilustrado pelo poema “Mãe...” de Antero de Quental. Passo a seguir a discorrer sobre a figura materna sob aspectos psicológico e sociológico.
Costumamos exaltar a figura materna como o símbolo do amor incondicional e de virtudes de todos os tipos. Contudo, existem mães que querem os filhos para si e não são capazes de fazê-los ter sua própria vida. O psicanalista Massimo Recalcati analisou a passagem bíblica do rei Salomão e das duas prostitutas que moravam na mesma casa e se diziam mães legítimas de uma criança. Cada uma teve um filho com três dias de diferença e uma delas, que deitara sobre o filho, matou-o involuntariamente. Trocou então seu filho morto pelo filho vivo da outra mulher. Para resolver a contenda, Salomão manda dividir o filho vivo ao meio e dar metade a cada uma. Diz então a mãe legítima: “Senhor meu, dai-lhe o menino vivo e por modo nenhum o mateis”, enquanto a outra diz: “Nem teu nem meu seja; dividi-o antes”.
Do ponto de vista psicológico, temos aqui dois tipos de mães. Uma prefere matar o filho a dividi-lo com a outra. Essa é a mãe que havia sufocado o filho, deitando-se sobre ele. O ato de sufocar é a metáfora de aprisionar o filho, querê-lo exclusivamente para si. A outra mãe quer que o filho viva para o mundo, aceitando sua perda. Essa é a boa mãe, que é recompensada por Salomão.
Na verdade, essas duas mães são uma única, o que mostra um desdobramento da experiência da maternidade de qualquer mãe: a oscilação entre a tendência à apropriação do filho, de tê-lo para si e sufocá-lo, e a necessidade de separação do filho, de deixá-lo ir para o mundo. Apenas a mãe verdadeira é capaz de deixar o filho seguir seu caminho depois de tê-lo gerado, nutrido, acudido, acarinhado.
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Valorizamos muito nossas mães mas, com frequência, ignoramos as mães dos outros. A condição econômica impossibilita a muitas mulheres de usufruírem da alegria de cuidar e acarinhar filhos como gostariam de fazer. Vêm-se forçadas a trabalhar para garantir o sustento dos filhos e, ao mesmo tempo, executam as tarefas domésticas não remuneradas em suas próprias casas. Vêm-se forçadas a largar os filhos aos cuidados precários de outras pessoas. É uma frustração que se agrava para as mães solo.
As norte-americanas Cinzia Arruzza, Tithi Bhattacharya e Nancy Fraser, autoras do livro “Feminismo para os 99%” propagam um feminismo para que as mulheres, independentemente de classe social, tenham a possibilidade de decidir o que querem fazer de suas vidas, incluindo a de compatibilizar trabalho e cuidado familiar. Procuram atuar sobre a queda livre dos padrões de vida perdidos nas últimas quatro décadas, que haviam sido duramente conquistados nas democracias capitalistas ao longo do tempo, principalmente pela esquerda: anarquistas, socialistas, comunistas etc.
As autoras criticam acidamente o que chamam de “feminismo liberal”, que consideram o grande inimigo a ser combatido, porque se amolda ao neoliberalismo e ignora as aspirações da vasta maioria das mulheres que integra o grupo dos 99%. As feministas liberais se omitem de atuar nas restrições socioeconômicas que tornam a liberdade e o empoderamento impossíveis para a grande maioria de mulheres.
Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec