João Alvarenga
Tem algum humano, aí?
O pior é que, nas propagandas midiáticas, tudo funciona maravilhosamente
Em tese, as máquinas estão presentes em quase todas as atividades relacionadas à produção, do trabalho pesado ao intelectual. Desde o advento da Revolução Industrial, tais equipamentos passaram a fazer parte do ambiente fabril com maior evidência. Todavia, com a introdução, no sistema produtivo das indústrias, de sofisticados computadores, a mão de obra humana se torna cada vez mais escassa no chão de fábrica. Até mesmo os supermercados estão trocando os funcionários dos caixas pelo autoatendimento. Essa substituição começou, gradativamente, pelo sistema bancário do País, no final dos anos 90, antes da virada do século. Agora, já atinge outros setores ligados à prestação de serviços, como restaurantes, que contam com robôs para atender às mesas.
Assim, uso da Inteligência Artificial (AI) é um caminho se volta e o Chat GPT dá as cartas para alegria de quem se sente incapaz de fazer uma simples redação de vestibular. Afinal, sob o prisma de agilizar os serviços ofertados à população, esse sistema praticamente tem sido imposto à sociedade, a qualquer custo, mesmo que custe o emprego de milhões de pessoas pelo mundo afora. Essas novidades, como o carro elétrico sem motoristas, chamam a atenção de uma sociedade inserida na pós-modernidade.
Nesse contexto, muitos filmes de ficção científica mostram um futuro distópico, em que as máquinas dominam os humanos. Tal contexto remete aos versos do poeta da primeira geração modernista, Cassiano Ricardo, quando, há 100 anos, disse: “Por que levantar a mão para apanhar o fruto, se a máquina fará por nós? / Por que pensar, se a máquina o fará por nós? / Oh, máquina, orai por nós!”
Apesar de serem bem-recebidas pelos megaempresários, essas mudanças causam inquietações aos trabalhadores e, também, preocupam os que não têm familiaridade com as novas tecnologias. De certo modo, essa ansiedade tem fundamento, pois tudo seria divino e maravilhoso se o cidadão comum não tivesse que enfrentar graves tormentas para obter um simples serviço via aplicativo. É complicado, porque tudo hoje é via essa ferramenta. Assim, aquilo que veio para desburocratizar as ações humanas se tornou, em muitos casos, uma penosa maratona.
Para citar um exemplo, vamos supor que você teve um problema de vazamento, no banheiro de sua casa, e precisou de um encanador para resolver essa emergência doméstica. Como dispõe de um pacote de serviços do seguro residencial, de seu banco, tentou chamar, via aplicativo, o profissional. Ligou várias vezes, mas não obteve sucesso, porque o menu do sistema não disponibiliza tal atendimento. E o pior: o servidor, que se identifica como agente digital, repete sempre a mesma mensagem. Então, você ficou sem o atendimento desejado. Mas, isso é só um exemplo, porque, atualmente, as empresas -- públicas ou privadas -- tentam “facilitar” a vida dos cidadãos, através do uso da Inteligência Artificial (AI).
Agora, imagine se você estivesse numa estrada e precisasse de um mecânico. Certamente, teria muitos aborrecimentos. Infelizmente, esse modismo também chegou aos planos de saúde e muitos pacientes perdem meses para agendar exames ou até mesmo cirurgias. Antes, o atendimento era mais rápido e fácil, porque sempre havia um ser humano no outro lado da linha que ouvia suas solicitações. Atualmente, está mais difícil falar com alguém que não seja um robô. A ligação é pré-gravada e repete sempre as mesmas ladainhas.
Assim, se o aplicativo não funciona, por que, então, insistem em empurrar esse sistema às pessoas? O pior é que, nas propagandas midiáticas, tudo funciona maravilhosamente; mas, na prática, quem recorre a tais plataformas enfrenta sérios dissabores. Muitos acabam desistindo. Ocorre que não há (digo humano) quem fiscalize esses serviços. Quem tenta acionar as agências reguladoras também passa pelo martírio do atendimento digital e nem sempre o problema é resolvido. Bom domingo a todos!
João Alvarenga é professor de redação