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Marcelo Augusto Paiva Pereira

Gentrificação

Na gentrificação (...) não há a obrigação de restaurar os bens imóveis das áreas urbanas escolhidas

07 de Julho de 2023 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: ROVENA ROSA / AGÊNCIA BRASIL)

 

Gentrificação é um conceito criado para examinar, na área da sociologia, a desigualdade, a segregação urbana e o patrimônio. À luz da arquitetura e urbanismo, é projeto urbanístico de intervenção que alude às modificações nas paisagens urbanas, decorrentes da atualização do uso e do significado do recorte urbano escolhido. Abaixo seguem alguns comentários.

As causas desse conceito ou projeto são tripartidas em cultural, econômica e econômica-cultural. A primeira posição entende pela transformação das grandes cidades, nos anos 70 do século passado, após o declínio da sociedade industrial e a ascensão dos prestadores de serviços.

A segunda entende ser o resultado do afluxo de capital nas regiões urbanas decadentes, sem suporte econômico para se sustentar, com vistas à requalificação espacial delas, em prol de pessoas economicamente mais abastadas.

A terceira admite ser consequência do afluxo de estudantes, intelectuais e artistas, que transformaram em “lofts” antigos e desocupados galpões, armazéns e edifícios industriais em Nova York. Deram novos usos e novo “layout” ao recorte urbano.

Os efeitos são a substituição das classes socioeconômicas anteriores pelas que passaram a ocupar, beneficiadas por maior poder aquisitivo (ainda que de diversas classes sociais), as quais atualizaram o uso e deram novo significado à área urbana recuperada.

Na gentrificação, porém, não há a obrigação de restaurar os bens imóveis das áreas urbanas escolhidas. Ela não se confunde com a restauração. São intervenções distintas, ainda que haja similitude de objeto (recorte urbano). A finalidade é recuperar o uso da área degradada, mas restaurar os edifícios dependerá do estado de degradação de cada um e do interesse em preservá-los às atuais e futuras gerações.

A título de exemplo, na área urbana da antiga “cracolândia” (centro de São Paulo) estão totalmente degradados os edifícios que a ocupam, muitos deles em ruínas, sem condições de recuperação nem de (novo) uso. Nada há a se fazer naqueles imóveis, senão demoli-los e, na oportunidade e conveniência, redesenhar essa área mediante projeto urbanístico destinado a esse fim.

Um projeto que redesenhe as ruas e quadras seria salutar à área central de São Paulo porque extinguiria a antiga “cracolândia”, degradante e gravosa aos habitantes e transeuntes, e surgiria uma nova área para dar outra vida e novo significado, numa plena gentrificação e recuperação da urbanidade (ou civilidade) perdida.

Quanto à nova “cracolândia”, que surgiu no início deste ano ao lado da anterior, melhor examinar a situação de fato dos habitantes, comerciantes, trabalhadores, frequentadores e transeuntes, para incluí-la (ou não) na gentrificação.

Conclusivamente, gentrificação é o tipo de intervenção com vistas a recuperar as áreas urbanas degradadas, atualizar o uso e atrair classes profissionais, comerciais e de serviços economicamente mais favorecidas, e se oportuno e conveniente, também atualizar a malha urbana para dar novo significado à vida citadina (civilidade) nas mencionadas áreas. Nada a mais.

Marcelo Augusto Paiva Pereira é arquiteto e urbanista