Nildo Benedetti
Filmes do Youtube: ‘Mother’ (‘Mãe’) (parte 2 de 3)
Na semana passada, escrevi que o curta metragem “Mother’ pode ser interpretado por meio do poema ‘Mãe...” do poeta português Antero de Quental. Passo agora a resumir a metodologia de crítica que utilizei nesta hipótese interpretativa.
Não estou afirmando que o diretor do filme se baseou no poema. Isto seria a tentativa de descobrir a “intenção do autor”, tarefa impossível e irrelevante de ser realizada, porque equivaleria a afirmar que existe apenas uma interpretação correta e definitiva -- a dada pelo autor -- e que as demais estão erradas. O filósofo alemão Hans-Georg Gadamer afirma que a intenção do autor não é o padrão para efetuar a interpretação porque a interpretação de uma obra de arte não é estabilizada de modo definitivo; ela depende do campo de visão que se vai ampliando com o tempo. O pintor Pablo Picasso escreveu que um quadro, depois de terminado, continua a mudar. Ele só vive graças àquele que o contempla.
O curta-metragem explica o poema de Antero de Quental. No entanto, a destinatária do poema, a mulher amada, não é explicitamente referida no filme. Neste, apenas detectamos a solidão de um homem que pede socorro à mãe e a ela se aconchega.
Mas, qual a origem dessa solidão? A resposta pode ser encontrada em uma infinidade de fatores -- a condição econômica, a hostilidade da sociedade em um mundo competitivo e egoísta, figurada nos ruídos ininteligíveis da trilha sonora, o desemprego e muitos outros. Porém, por meio da referência ao poema de Quental, acabamos reduzindo esse conjunto de fatores a um único, o da relação com a mulher amada.
Perguntará o leitor, o que nos leva a dar maior peso ao amor a uma mulher e colocar de lado os outros muitos fatores que podem fazer um homem de meia idade sofrer? A resposta está no significado da mãe nas nossas vidas afetivas. O tema foi exaustivamente estudado pela psicanálise, mas não me alongarei no assunto.
O fato de o filme não explicitar o motivo amoroso como origem do sofrimento do protagonista não invalida esta nossa interpretação. Tzvetan Todorov, filósofo e linguista búlgaro, escreveu que o critério correspondente para a correção da compreensão é sempre a concordância de cada particularidade com o todo. Quando não há tal concordância, significa que a compreensão malogrou. E Umberto Eco cita Santo Agostinho, quando ele afirma que caso uma interpretação pareça plausível em determinado ponto de um texto, só poderá ser aceita se for confirmada -- ou pelo menos se não for questionada -- em outro ponto do texto. Nossa hipótese sobre a origem do sofrimento do personagem não é contestada no filme, apenas está ausente. Portanto, nossa análise do filme -- que se sustenta no soneto de Antero de Quental -- satisfaz os pressupostos desses dois autores.
Mas, ainda assim, não estamos indo longe demais ao afirmar que o protagonista do filme sofre por amor? Sobre esse ponto, gostaria de citar duas afirmações: Roland Barthes: o nascimento do leitor deve ocorrer à custa da morte do autor. G. K. Chesterton, citado por Umberto Eco: ou a crítica não serve para nada ou então crítica significa falar sobre um autor exatamente aquelas coisas que o deixariam estarrecido.
Entendo que estas duas citações, adicionadas àquelas dos outros pensadores da crítica citados acima, justificam nossa interpretação de “Mother”.
Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec