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João Alvarenga

As belas vozes do passado

A tensão era grande, porque só se impunha quem fosse afinadíssimo, já que os críticos eram intransigentes

01 de Julho de 2023 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

 

Na semana passada, homenageamos, neste espaço, as divas da música brasileira que, ao partir, deixaram um vazio nos palcos da vida. Esse assunto sempre rende uma dose extra de saudade. Assim, embalados pelo saudosismo, alguns leitores nos enviarem mensagens com sugestões para que falássemos, também, sobre as belas vozes masculinas do passado que embalaram a sociedade durante a memorável “Época de Ouro” das rádios. Ao falarmos desses artistas, passa um filme em preto e branco em nossa mente sobre um Brasil que existe apenas na lembrança dos mais antigos.

Era um tempo em que, para cantar na poderosa Rádio Nacional do Rio de Janeiro, era preciso ter um vozeirão, já que não havia os recursos -- de hoje -- para maquiar a voz dos cantores. Aliás, nos primórdios das rádios, não havia nem gravação, tudo era na base do improviso. Ou seja, na raça mesmo. Quiçá fosse mais autêntica do que os dias atuais, pois a indústria fonográfica, atualmente, “fabrica” os previsíveis sucessos que, apesar de caírem nas graças do público (e vendam muito), logo são esquecidos pela massa, porque tudo é muito volátil.

Sobre as origens do sistema radiofônico brasileiro, o pesquisador Theóphilo Augusto Pinto observa que manter uma emissora no ar, naquela época, era um árduo desafio, porque precisavam driblar as precariedades tecnológicas daquele tempo. De certo modo, isso exigia muita criatividade tanto dos apresentadores quanto dos artistas e técnicos envolvidos no processo. Além disso, os idealizadores da radiodifusão se inspiravam no modelo norte-americano, “embora tivéssemos parcos recursos e tudo era improvisado”.

Um detalhe: os cantores se apresentavam, ao vivo, no palco da lendária Rádio Nacional, fundada em 1936, que se tornou a principal vitrine para quem quisesse tentar a carreira como cantor. Assim, a tensão era grande, porque só se impunha quem fosse afinadíssimo, já que os críticos eram intransigentes. Há fotos da época que registram longas filas de fãs, na frente dessa emissora, para acompanhar as apresentações de seus ídolos.

Nos anos 30 e 40, havia, no ar, um resquício dos poetas românticos do século 19, por isso, as letras falavam tanto do amor. Desse modo, as publicações daqueles tempos traziam, além das envolventes fotonovelas, fotos de celebridades. As mocinhas suspiravam diante das capas das revistas que traziam as imagens dos cantores que fizeram a história da nossa música. Por isso, os mais antigos entendem que esses artistas devem ser apresentados às novas gerações, para que conheçam o nosso passado musical, e saibam o quanto esse período foi rico.

Também, naquela época, era comum a mídia rotular os artistas, como forma de torná-los mais populares diante dos fãs. Um caso clássico é a lendária figura de Orlando Silva, que passou a ser reconhecido como o “Cantor das Multidões”. Tanto que a crítica da época o comparou a Frank Sinatra, devido ao alto grau de afinação de sua voz. Francisco Alves ganhou o epíteto de “O rei da voz”.

Falando nisso, a emblemática voz de Vicente Celestino, consagrado pela canção “O Ébrio”, também permanece viva entre seus saudosos fãs, ao lado de Sílvio Caldas -- o mais longevo dos cantores de sua geração, pois faleceu no final dos anos 90, aos 89 anos. Inclusive, antes de falecer, passou por Sorocaba com o seu tradicional “Baile da Saudade”, na sede central do Clube União Recreativo.

Entre esses ídolos, Nelson Gonçalves, o “eterno boêmio”, com certeza, jamais será esquecido; afinal, não só superou a gagueira, como arrebatou corações apaixonados e se tornou recordista de venda de discos de vinil, ficando atrás apenas de Roberto Carlos, com 79 milhões de cópias vendidas. Isso num tempo em que não havia internet. Seus shows atraiam multidões. Nesse céu de estrelas, não podem faltar o brilho de Carlos Galhardo, Miltinho, Evaldo Braga, Cauby Peixoto e Dorival Caymmi. Bom domingo a todos!

João Alvarenga é professor de redação