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Sandra Franco

A doença crônica da saúde brasileira

22 de Junho de 2023 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Relatório recente do Ministério da Saúde revelou que mais de 1 milhão de procedimentos cirúrgicos eletivos estão travados na fila do SUS em todo o Brasil. Um cenário que se repete por gerações no País. Acumulam-se décadas de falência do sistema da saúde público, apesar das mudanças de governo. Paralelamente, a saúde suplementar também passa por um período de emergência financeira, quer por ter havido um aumento no uso, quer por fraudes que assolam as operadoras de planos de saúde.

O sistema público de saúde apresenta falhas em seus principais programas e precisa de ações mais efetivas para transformar essa realidade. O Ministério da Saúde anunciou que pretende repassar cerca de R$ 600 milhões aos governos estaduais e do DF para a redução dessa fila. De acordo com o ministério, para receber o recurso financeiro, cada Estado deve enviar um plano com o número de cirurgias eletivas identificadas na fila, quantas poderiam ser realizadas com o investimento do governo federal e os hospitais que fariam as operações. O levantamento demonstrou que Goiás é Estado que tem a maior fila: são cerca de 125 mil procedimentos travados. Em seguida, aparece São Paulo, com 111 mil, e em terceiro lugar, o Rio Grande do Sul, com 108 mil.

As principais cirurgias que representam demanda represada nos Estados inscritos no programa até agora são: cirurgia de catarata, retirada da vesícula biliar, cirurgia de hérnia, remoção das hemorróidas e retirada do útero. Certamente, para tratar das intercorrências que algumas dessas condições provocam, o SUS gasta tanto (ou mais) do que gastará com o procedimento cirúrgico em si. Quanto custa mensalmente cada um desses pacientes à espera de uma cirurgia? Esses números não foram apurados.

Segundo as estimativas, esse investimento deve reduzir em cerca de 45% o total dos procedimentos. Assim, se o projeto correr como o planejado, cerca de 487 mil cirurgias serão feitas, mas ainda sobrarão mais de 595 mil na fila de todo o Brasil.

Ou seja, esse programa terá um efeito paliativo. Sem dúvida, ajudará milhares de pessoas e famílias, mas ainda não é a solução para esse gigantesco problema. Essa fila poderá crescer rapidamente, caso não sejam tomadas outras medidas paralelas de curto e médio prazos.

É possível que o governo faça mutirões e parcerias com instituições privadas para diminuir filas e atender a essa demanda. Consultas por telemedicina para fazer uma triagem dessas pessoas que estão na fila, a fim de que especialistas avaliem se essas pessoas realmente precisam de cirurgias, podem ser um primeiro passo importante. Depois dessa triagem, pode ser realizado um chamamento dos especialistas por áreas, para que eles sejam distribuídos nos Estados e municípios onde suas especialidades sejam mais requisitadas. Uma verdadeira força-tarefa com o uso da tecnologia, como já se provou possível e eficaz em vários projetos financiados pelo Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi).

Um fator que corrobora para essa longa espera está na má distribuição dos médicos especialistas no Brasil. No último dia 22 de maio, o Governo Federal publicou um novo edital para chamamento para profissionais que queiram participar do programa Mais Médicos para o Brasil. No documento publicado pelo Ministério da Saúde, o ciclo válido de trabalho é de quatro anos, para formados em instituições nacionais ou estrangeiras. Nesta etapa, serão 5.970 vagas em 1.994 municípios brasileiros.

Espera-se que essas contratações sejam realizadas com seriedade, ética e transparência, para não criarmos mais um problema de gestão. Já houve casos de médicos locais serem dispensados para que o Município contratasse um médico que seria pago pelo programa, como uma forma de desonerar a “folha” municipal. Mas, trocar um médico por outro não resolve o problema, o que se precisa é de mais profissionais que prestem um atendimento efetivo à população.

Segundo levantamento feito pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), em 2021, para analisar as principais causas que levam à fila de espera no SUS, não somente a falta de especialistas justificaria que uma consulta com ortopedista possa demorar um ano. A escassez de recursos nos hospitais públicos resulta na falta de equipamentos, de insumos e de medicamentos.

Se mudanças não começarem a ser feitas de imediato, o brasileiro continuará ingressando na Justiça para não morrer na fila ou no corredor de um hospital, enquanto o dinheiro público vaza por outros meios, por exemplo, a Judicialização. Essencial que se efetive realmente um programa de promoção à saúde, com a prevenção de doenças e diminuição de uma medicina “hospitalocêntrica”. A sociedade não precisa ter uma saúde pública cronicamente doente.

Sandra Franco é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, doutoranda em Saúde Pública