Marcelo Augusto Paiva Pereira
Patrimônio ameaçado: a intervenção
O poder público municipal quis transformar o complexo de edifícios em espaço cultural, mas foi infrutífera a iniciativa

A conservação e a destinação dos históricos edifícios da Estrada de Ferro Sorocabana (EFS) tem sido objeto de divergências entre as instituições públicas e privadas. Abaixo seguem alguns comentários sobre eventual intervenção.
Do conjunto de quarenta edifícios, vinte e dois foram tombados enquanto os demais, não. Em período não muito distante, o poder público municipal quis transformar o complexo de edifícios em espaço cultural, mas foi infrutífera a iniciativa pela falta de acolhimento por outras instituições, públicas e privadas.
Nas edições de 2/2/2020, 23/1/2022, 22/4/2023 e 30/4/2023, o jornal Cruzeiro do Sul divulgou a deterioração em que se encontra o conjunto de edifícios, quase arruinados e carecedores de revitalização urgente, a ser providenciada por quem se habilite a realiza-la. Esta, porém, poderá ser feita pela intervenção da restauração ou do “retrofit”.
A restauração visa resgatar a memória da sociedade mediante a recuperação material e estética do bem imóvel. Deverá preservar as características originais e arquitetônicas, aplica-se aos imóveis tombados (bens qualificados de patrimônio histórico ou cultural) e possui finalidade simbólica (cultural). Tem por doutrinas: 1) o pensamento pioneiro da obra; 2) a conservação sem intervenção; 3) o restauro filológico.
Recuperar todos os edifícios (ou apenas os tombados) poderá ser muito demorado, dificultoso e oneroso porque, mesmo com a modificação do uso deles para atualizá-los ao tempo presente, deverá preservar a autenticidade de cada edifício mediante pleno conhecimento dos projetos originais ou aprofundadas pesquisas, tanto em relação aos desenhos quanto aos materiais neles utilizados.
O “retrofit” visa modernizar o bem imóvel mediante aplicação de novos conceitos e incorporação de novas tecnologias. Deverá, também, preservar as características originais e arquitetônicas; aplica-se aos bens imóveis tombados e àqueles que não foram objeto de tombamento. Pode-se aplicar qualquer doutrina da restauração para conservá-los e tem finalidade comercial (econômica).
Nos imóveis tombados, porém, poderá restaurar apenas as partes ainda existentes de cada edifício e, nos trechos faltantes, atualizá-los com projetos que deem novo uso a cada um e não ocultem as características originais deles (assemelha-se, neste caso, ao restauro filológico). Nos imóveis não tombados a destinação de cada um será examinada individualmente para ser submetido ao “retrofit” ou demolido.
A título de exemplo poderá construir, na área do trecho urbano da Estrada de Ferro Sorocabana, um “shopping center” com uma praça central a descoberto no maior dos edifícios; em outros, salas de teatro, cinema e exposições e, nos demais, apartamentos pequenos (“loft” ou “kitchenet”) a interessados compradores. Edifícios sem estilo definido ou sem representação da época poderão ser demolidos para dar espaço a jardins e estacionamentos aos consumidores, visitantes e moradores.
Em suma, o destino da área ocupada pelos edifícios da EFS dependerá do interesse dos poderes públicos e da iniciativa privada de preservá-los para as atuais e futuras gerações e definir as suas finalidades (simbólicas ou comerciais). Não se pode, porém, abandoná-los. Há, então, esperança. Nada a mais.
Marcelo Augusto Paiva Pereira é arquiteto e urbanista