Dom Julio Endi Akamine
Olha para nós!
O olhar recíproco exprime e provoca expectativas opostas
Pedro e João continuavam vinculados espiritualmente ao templo de Jerusalém, por isso subiram para lá às 15h. Segundo os costumes judaicos, havia no templo dois momentos fixos para o culto público, um de manhã e outro de tarde. O da tarde, às 15h, coincidia com o sacrifício diário do cordeiro no altar situado diante do templo de Jerusalém. Assim, os judeus que podiam iam pessoalmente ao lugar do sacrifício. Foi o que fizeram os dois apóstolos.
Chegando ao templo, eles se depararam com um aleijado que vivia de esmolas. Para o aleijado o templo nada mais era do que o lugar de onde podia tirar a sua subsistência diária, uma vez que a esmola é muito recomendada pela Sagrada Escritura. Assim o aleijado se valia das ofertas dadas pelas pessoas religiosas que consideravam a esmola equivalente à oração.
São Pedro e São João vão romper esse esquema, fazendo com que o templo represente para o aleijado mais do que um lugar de esmolas. Pedro convidou o aleijado: “Olha para nós!”. O olhar recíproco exprime e provoca expectativas opostas: no aleijado, o olhar é rotineiro e espera a esmola; em Pedro e João, o olhar comunica confiança no poder de Cristo.
Antes de curar o aleijado, Pedro confessa a pobreza extrema deles; nem sequer uns trocados possuem. Essa pobreza, porém, é exatamente o que os faz ricos. Por isso, Pedro pode invocar o nome de Jesus: “Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho eu te dou: em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda!” Pedro e João não dão esmola. Eles dão o Cristo ao aleijado. Essa é riqueza deles com a qual enriquecem o aleijado.
Estava meditando essa passagem dos Atos dos Apóstolos (3,1-10), voltando de uma missa, quando me lembrei que tinha que comprar pão para o café da manhã do dia seguinte. Interrompi a volta para entrar no primeiro mercado que encontrasse aberto. Sentado à porta do mercado, uma pessoa em situação de rua me pediu uma esmola. Dei umas poucas moedas que, por acaso e sorte, encontrei no bolso. Estava já me distanciando, quando o jovem perguntou: O senhor não é o Arcebispo, dom Julio? Surpreendido, respondi-lhe afirmativamente e perguntei-lhe como me conhecia. Ele então me relatou que me conhece através destes artigos publicados semanalmente neste jornal. Quis saber como ele conseguia ler meus artigos semanais, uma vez que era evidente que não podia comprar jornal. Contou-me que recorre aos jornais lidos em um bar que os disponibiliza aos seus frequentadores.
Às vezes sou abordado por leitores desta coluna e recebo avaliações que me encorajam. Não é fácil escrever toda semana. Muitas vezes pensei em desistir por falta do que escrever.
Ao relatar este meu encontro com o Alessandro -- o leitor que encontrei na porta do mercado --, quero agradecer a todos os leitores pela gentileza de sua atenção. Ao Alessandro agradeço especialmente por ele ter olhado para mim. Nos Atos dos Apóstolos, o aleijado olhou de maneira rotineira e os apóstolos de modo a comunicar o poder de Cristo. Reconheço que no meu encontro com o Alessandro, foi o meu olhar aquele rotineiro. Aprendi com o Alessandro que devo estar atento ao modo como olho as pessoas.
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba