Nildo Benedetti
Filmes da Netflix: ‘Vestígios do dia’ (parte 1 de 3)
“Vestígios do dia” - filme de 1993 do diretor inglês James Ivory - começa com uma viagem de carro realizada na década de 1950, por James Stevens, que foi mordomo do falecido Lord Darlington. A maior parte do filme é composta de lembranças de Stevens sobre os acontecimentos da década de 1930.
A análise do filme será aqui segmentada em duas camadas interpretativas.
A primeira é histórica e política.
Estamos na década de 1930. A Alemanha foi derrotada na Primeira Guerra Mundial em 1918, e em 1933 Hitler ascendeu ao poder e está armando o país militarmente. Aos 29 de setembro de 1938, Hitler reúne-se com o primeiro-ministro do Reino Unido, Neville Chamberlain, com o presidente do Conselho da França, Édouard Daladier, e com o “Duce” da Itália, Benito Mussolini, para assinarem o Acordo de Munique, que cedia à Alemanha a região dos Sudetos na Tchecoslováquia. Essa região era predominantemente habitada por alemães ou seus descendentes. A Tchecoslováquia não foi sequer convidada para a conferência. O Reino Unido e a França entendiam que esse tratado seria uma forma eficaz de conter as ambições imperialistas de Hitler. De fato, este prometera que os Sudetos seriam a última reivindicação territorial da Alemanha.
Chamberlain foi recebido como herói no Reino Unido pela assinatura do acordo. Mas, menos de seis meses depois da anexação dos Sudetos, os alemães ocuparam as províncias remanescentes da Tchecoslováquia. A 1º de setembro de 1939, a Alemanha invadiu a Polônia, dando início à Segunda Guerra Mundial na Europa. Dois dias depois, Grã-Bretanha e França declararam guerra à Alemanha. Entre abril e junho de 1940, o poderoso exército da Alemanha ocupou a Dinamarca, a Noruega, Luxemburgo, a Holanda e a Bélgica. Aos 13 de junho desse ano, o exército nazista alemão ocupou Paris. Nove dias depois, a França assina um acordo de armistício pelo qual os alemães ocupariam a parte norte do país e a linha costeira francesa. Um regime fascista, chamado de República de Vichy, foi implantado no resto da França voluntariamente pelos próprios líderes franceses. Esta adesão ao nazismo é um dos episódios mais sórdidos e vergonhosos da história da França.
No filme, representantes da França, Alemanha e Reino Unido estão presentes ao estupendo jantar oferecido por Lord Darlington. O jantar é uma reprodução ficcional da Conferência de Munique e o erro cometido por Chamberlain em Munique é representado, no jantar, pelo erro de Lord Darlington na avaliação das reais intenções alemãs em firmar o acordo. O lorde é apresentado como crédulo inocente que tentou conter Hitler. O representante francês se mostra apático, mais preocupado com as dores em seus pés. O congressista norte-americano Lewis, muito mais realista, chama os presentes de amadores da política e alerta que estão fadados ao desastre se continuarem a agir como amadores.
O resto dessa história é conhecido. O grande Império Britânico, teve seu poder esfacelado depois do fim da Segunda Guerra Mundial, quando o Reino Unido, combalido e endividado, perdeu a maior parte de suas colônias. Essa decadência do Reino Unido é simbolizada no filme pela decadência de Darlington, cuja propriedade vai ter às mão do congressista norte-americano. Por causa de Lord Darlington, o palácio foi chamado de ninho de traidores.
Esta série de artigos está incluída no projeto cine reflexão da Fundec