Nildo Benedetti
Filmes da Netflix: ‘O lobo atrás da porta’ (Parte 2 de 3)
Encerrei o artigo da semana escrevendo sobre as pulsões de vida e de morte.
A civilização só se torna possível pelo controle da energia das pulsões destrutivas. Freud, em suas observações clínicas, concluiu que a capacidade pessoal de um ser humano de transformar os impulsos agressivos para adaptá-los à cultura se compõe de duas partes: uma inata e outra adquirida no curso da vida e que a relação entre as duas, “tanto entre si quanto com a parte da vida instintual que permanece inalterada, é muito variável”. Portanto, existe uma parcela variável de fatores inconscientes, genéticos e culturas que atuam sobre o indivíduo, limitando o pleno exercício de sua liberdade. O filósofo, psicanalista e economista francês, de origem grega, Cornelius Castoriadis, aproximou a filosofia da psicanálise ao formular duas questões sobre o livre-arbítrio: “como posso ser livre, se sou obrigado a viver numa sociedade em que a lei é determinada por outros?” e “como posso ser livre se sou governado pelo meu inconsciente?”
É tudo isso que limita nossa liberdade de ação e é por isso que o sonho da evolução moral e ética dos seres humanos ao longo da história se mostra irrealizável, a despeito de todos os esforços intelectuais e de todo o sangue derramado para realizá-lo. Durante dezenas de séculos tivemos acesso aos escritos profundos das melhores mentes da humanidade na tentativa de produzir um ser humano melhor; grandes filósofos, talentosos artistas, grandes personagens de todas as religiões se empenharam tenazmente em propagar a necessidade de cultivo de virtudes construtivas da felicidade própria e da felicidade dos outros; criamos sistemas políticos e jurídicos para disciplinar as ações dos humanos. A maior parte de nós foi educada a crer na existência de uma vida após a morte em que os justos seriam compensados e os maus, eterna e impiedosamente castigados.
Mas, todo esse empenho no aperfeiçoamento da espécie humana pouco ou nenhum efeito prático produziu ao longo do tempo, porque a essência da personalidade do ser humano continuou a mesma em qualquer época. Continuamos a ser transgressores permanentes das leis e dos preceitos religiosos. Os enormes avanços das ciências não contribuíram para a nossa tão desejada evolução moral e ética. Pelo contrário, os conhecimentos científicos foram muitas vezes capturados para perpetrar matanças em massa. A redução de conflitos armados nos dias de hoje, se é que existe tal redução, nada tem a ver com a evolução moral e ética da humanidade ou à tomada de consciência do valor da vida de todos os seres humanos. A redução é consequência do medo dos devastadores efeitos materiais e humanos que elas acarretam por causa dos avanços científicos na produção de armas de grande potencial de destruição.
Se o ser humano fosse dono absoluto de sua vontade, se sua liberdade de ação não fosse limitada pelo inconsciente, pela realidade social em que vive e pelo que herda em sua genética, seria de esperar que a boa educação, religiosa ou laica, aplicada durante séculos desde a infância, por pais, mães e escolas teriam levado a humanidade a uma crescente evolução ética e moral e a Ciência seria o instrumento dessa evolução, porque ela também seria ética, voltada exclusivamente para o bem comum. Mas não foi o que ocorreu.
Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec