Dom Julio Endi Akamine
Ascensão do Senhor
Na força do Espírito, a Igreja leva a todos o poder de se tornar filho de Deus
O evento da subida de Jesus ao céu provoca reações de saudades, tristeza e temor nos discípulos. Os discípulos de Jesus experimentam a ascensão como um distanciamento, como se estivessem sendo abandonados. Ainda era forte neles a impressão das aparições do Ressuscitado, ainda desejavam sentir de maneira quase física a proximidade do Mestre. A ascensão de Jesus parece interromper essa experiência de proximidade e de presença. Por isso, eles se sentiam um pouco decepcionados: depois de tanta alegria provocada pela ressurreição e pelas aparições, vivem a ascensão como uma nova separação.
A dificuldade dos discípulos consiste na resistência deles em aceitar que as relações com Jesus sejam transformadas. Trata-se da resistência em permitir que o vínculo com Jesus amadureça de uma maneira totalmente nova em relação à condição terrena anterior. É como se os discípulos quisessem ainda uma relação com o Jesus da tumba. “Subir ao céu” significa de fato desaparecer da vista, mas não é sumir aos olhos da fé. Não é se ausentar do coração que ama.
O evangelista Lucas faz uma afirmação importante: “Então os olhos deles se abriram e o reconheceram. Ele, porém, desapareceu da vista deles” (Lc 24,31). Esse momento em que Jesus desaparece da vista dos discípulos de Emaús é já “ascensão do Senhor”. Jesus desaparece da vista dos discípulos porque agora, com os olhos da fé abertos, a visão física não é mais necessária. Ele desaparece da vista deles porque a relação com o Ressuscitado foi transformada totalmente. A partir da ressurreição, a relação com Jesus é uma relação espiritual: participa da liberdade, da profundidade e da plenitude do Espirito.
A ascensão inaugura assim o novo tempo da presença glorificada de Jesus na Igreja. Inaugura o novo “tempo dos sinais”, isto é, a presença de Jesus ressuscitado nos mistérios da salvação. No que consiste esta presença de Jesus nos mistérios? É a presença real de Jesus nos sinais que Ele próprio deixou: a Igreja, os sacerdotes, os sacramentos, o amor fraterno, a Palavra, o pobre. Todas estas são formas de presença real de Cristo. Neste novo tempo que começa com a ascensão e se concluirá com a segunda vinda de Cristo na sua glória, serão os sinais que trarão a presença do glorificado entre nós.
A ascensão inaugura também o tempo da missão da Igreja. Jesus mandou batizar, nos deixou o sacramento essencial para a salvação, o sacramento para ser recebido na Igreja e para se vincular definitivamente a Jesus.
O mandato de Jesus é universal como a salvação que Ele trouxe. A missão se estende a todas as nações não por motivos proselitistas, mas porque se a salvação não for universal não é salvação que mereça tal nome.
A salvação que Deus deseja para todos consiste na ascensão de todos para além da condição terrena na qual todos nascemos. Deus deseja que participemos da sua natureza divina. Deseja que sejamos “Deus” com Ele e em comunhão com Ele. Mesmo tendo origem da terra e permanecendo terrestres, o desígnio de Deus consiste em que todos sejam mais do que pó e barro da terra: Ele quer que estejamos sempre com Ele. Por isso nos enviou o Filho e também pelo mesmo motivo glorificou a humanidade assumida pelo Filho na encarnação.
A missão da Igreja consiste em levar a todos essa Boa Notícia. Mais do que isso: na força do Espírito, a Igreja leva a todos o poder de se tornar filho de Deus. Não é um poder próprio e sim confiado por Jesus quando mandar batizar todos os povos.
Evangelizar é, portanto, anunciar e transmitir a todos esta graça de subir ao céu, onde está Jesus sentado à direita do Pai. A orientação definitiva e última da nossa vida é Jesus Glorificado. Sabemos que viemos do pó da terra, mas a ascensão nos põe diante deste mistério da glorificação da humanidade de Jesus que é antecipação e sinal da nossa.
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba