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Marcelo Augusto

Palafitas

Atingimos quase a quarta parte do nosso século e ainda não obtivemos soluções efetivas aos mencionados gravames urbanos

09 de Maio de 2023 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

As construções palafitas são objeto da arquitetura vernacular (popular), implantadas sobre estacas ou pilares (“pilotis”) acima dos níveis dos rios e lagos, com a finalidade de evitar que as cheias ou inundações as alaguem ou as arrastem pelas correntezas. Seguem alguns comentários sobre elas.

Referidas obras remontam ao final da Pré-História, do período Neolítico (10.000 a 3.000 a.C.) ao início da Idade dos Metais (3.300 a 1.200 a.C.). Existiram -- e outras existem -- em países da África, América, Ásia e Europa.

Ao longo dos séculos, outras construções em palafitas surgiram, das quais são exemplos as cidades de Veneza (421 d.C.), na Itália (Europa), e de Ganvié (século 18), em Benin (África). Ao tempo da Europa medieval (476 a 1453) surgiram na França construções (muitas das quais habitações) sobre pilares de pedras que ainda servem de pontes sobre os rios.

Vários são os objetivos dessas construções. Muitas visam fins estratégicos como os protetivos, militares, urbanos e comerciais, enquanto outras tem finalidade religiosa. Em qualquer caso, visam assegurar a sobrevivência dos habitantes, nas formas dadas às habitações e a outros edifícios.

De lá para cá nossa sociedade se transformou. Adquiriu conhecimento científico e tecnologia muito avançados, por vezes tidos como superiores às técnicas daqueles habitantes e períodos históricos. Mas, contraditoriamente, nossas cidades e metrópoles têm sido frequentemente prejudicadas pelas cheias, inundações e alagamentos procedentes das chuvas e de condutas gravosas ao escoamento das águas causadas pela sociedade.

Desenhou-se e construiu-se parte de nossas cidades sobre terrenos alagadiços, por vezes movediços, em que costumeiramente as águas transbordam dos leitos dos rios e atingem a várzea que se invadiu com nossa ciência e tecnologia, supostamente avançadas e aptas para enfrentar os desafios que a natureza nos impõe com toda a força que possui.

Curiosamente, não se planejou construir edifícios sobre palafitas (ou “pilotis”) nessas áreas. Levantar estacas e sobre elas construir plataformas para acolher diversos edifícios aumentariam o custo das obras -- públicas ou privadas -- e poderiam, contrariamente, tornar lenta ou onerosa a realização do progresso almejado pela nossa sociedade.

Suprimiu-se o conhecimento dos antigos pelo progresso fundado em doutrinas (correntes) científicas, como o Iluminismo (1685 - 1815) e o Positivismo (início do século 19), que serviram para desenhar o futuro conforme as diversas ciências que surgiram desde a primeira revolução industrial (1760 - 1840) na Inglaterra. Atualmente atingimos, porém, quase a quarta parte do nosso século e ainda não obtivemos soluções efetivas aos mencionados gravames urbanos.

Conclusivamente, do período Neolítico até a atualidade desenvolvemos as ciências e a tecnologia com o fim de obtermos conforto, segurança e saúde para vivermos nas cidades e metrópoles; mas, paradoxalmente, ignoramos técnicas e antigos conhecimentos referentes às palafitas que, se fossem continuamente desenvolvidos, poderiam nos dar o conforto, a segurança e a saúde que as cheias, inundações e alagamentos urbanos põem em risco sempre que ocorrem. Encontraremos, entretanto, alguma solução?

Marcelo Augusto Paiva Pereira - arquiteto e urbanista