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Nildo Benedetti

Séries da Netflix: ‘Vosso reino’ T2 (parte 1 de 3)

13 de Abril de 2023 às 23:01
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O pastor Emílio (Diego Peretti) e sua esposa Elena (Mercedes Morán)
O pastor Emílio (Diego Peretti) e sua esposa Elena (Mercedes Morán) (Crédito: DIVULGAÇÃO)

A primeira temporada de “Vosso reino” foi analisada nesta coluna em setembro de 2021. Esta segunda temporada, como a anterior, trata da mistura perversa de religião com pedofilia, política, interferência subterrânea dos Estados Unidos nas Américas etc. Mas também faz vir à memória o que levou o marxista italiano Pier Paolo Pasolini a dirigir o estupendo filme “O Evangelho segundo São Mateus”. Pasolini não mudou nada do texto bíblico, justamente para fazer o espectador meditar sobre a divergência entre a palavra de Jesus e a vida em sociedade. Essa divergência se acentuou depois que Pasolini dirigiu o filme em 1964, devido a vários fatores, como o retorno ao nazi-fascismo do século 20, a ascensão do neoliberalismo etc.

Não sigo qualquer religião, mas me interesso pelos evangelhos, porque contêm ensinamentos que estimulam a cultivar virtudes construtivas da felicidade própria e da felicidade dos outros. Minhas interpretações são simples e literais -- primeiro porque meus conhecimentos são restritos e, segundo, porque interpretações livres podem levar alguém a explicar, a partir do texto bíblico, qualquer coisa que lhe convenha. Machado de Assis em “O Almada” escreve de um pregador que era “De tal quilate e tão profunda vista, / que quando orava em dias de quaresma / analisava os textos e exprimia / a doutrina evangélica de modo /que a não reconhecera o próprio Cristo”.

Nas considerações que farei abaixo, usarei o livro “Comentário do Novo Testamento”, de William Barclay e o Evangelho de Mateus da Bíblia de Jerusalém:

A série retrata os aspectos mais obscuros da atuação de algumas -- felizmente poucas, mas poderosas -- seitas cristãs na manipulação da fé por líderes religiosos que, usando o nome de Cristo, atribuem a si próprios autoridades de guias espirituais a quem Deus terceirizou a realização de milagres em troca de doações e dízimos. A atuação dessas igrejas confronta o versículo de Mateus 21:13: “A minha casa será chamada casa de oração; mas vós a tendes convertido em covil de ladrões.”

O chavão “direitos humanos para humanos direitos”, amplamente difundido nos últimos anos por alguns que se dizem cristãos, contraria a passagem de Mateus 9:13: “As pessoas que têm saúde não precisam de médico, mas só as que estão doentes. (...) Porque eu não vim para chamar justos, e sim pecadores.” Portanto, escreve Barclay, a barreira que separa o santo do pecador é derrubada. O amor de Deus é dirigido a todos os seres humanos, incluindo os que, com seus pecados, nos deixam horrorizados.

Ainda sobre o perdão de pecadores, Barclay analisa a presença de nomes femininos na genealogia de Cristo. Afirma que se Mateus tivesse procurado com maior afinco em todo o Antigo Testamento, não poderia ter encontrado quatro personagens mais indignos de serem antepassados de Jesus. Já no princípio de seu evangelho, Mateus nos mostra, de maneira simbólica, o amor, o perdão, a solidariedade que estão na essência dos preceitos de Cristo: Raabe era uma prostituta de Jericó, Rute era moabita (um povo estrangeiro e odiado). Tamar seduziu deliberadamente a seu sogro Judá e cometeu adultério com ele. E Bate-Seba, a mãe de Salomão, foi a mulher que Davi tomou de Urias, seu marido, valendo-se de uma imperdoável crueldade.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

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