Dom Julio Endi Akamine
Viagem de Ida e Volta
Nesta Páscoa, convidemos nós também: fica conosco, Senhor!
Normalmente as nossas viagens são alegres e esperançosas: turismo, descanso, companhia dos familiares, lua de mel, aprendizado, cursos, intercâmbio cultural etc. Aquela era uma viagem triste, parecia mais uma fuga (Lc 24,13-35). Os dois discípulos conversavam sobre o que tinha acontecido em Jerusalém. “Ele despertou tanta esperança! Ele parecia prometer tanto! Tudo o que ele fazia e falava prometia, de fato, um mundo novo: novo céu e nova terra!”
Nessa viagem triste, porém, acontece uma surpresa: “O próprio Jesus se aproximou e começou a caminhar com eles”. Ele está presente, mais presente e atuante do que nunca; mais próximo e enviado como jamais fora. Eles, porém, não o reconhecem, pensam que se trata de um peregrino meio lerdo: “Tu és o único peregrino em Jerusalém que não sabe o que lá aconteceu nestes últimos dias?” Essa impressão é confirmada pela pergunta daquele peregrino estranho: “O que foi que aconteceu em Jerusalém?”
Jesus ressuscitou em sua inteira realidade humana. Não é espírito desencarnado ou alma penada. Não é um fantasma ou uma alucinação saudosa. Ele ressuscitou na sua corporeidade, mas é uma corporeidade glorificada, que não pertence a este mundo. Nessa nova condição, Jesus está realmente presente. Os dois discípulos não estão acostumados a essa nova forma de presença, por isso não o reconhecem.
O corpo glorificado de Jesus participa agora da liberdade do espírito: pode tomar a figura de antes para atestar a sua identidade, mas também assumir a forma de um peregrino que se junta aos viajantes de Emaús, pode se apresentar como um jardineiro, pode assumir a figura de um comprador de peixes. A causa da incapacidade de reconhecer o ressuscitado não é só a condição de glorificado, mas também a cegueira dos discípulos que não esperam mais ver Jesus que está morto já há três dias. Eles estão cegados pela morte que julgam como fato definitivo. Não esperam mais e por isso não podem ver Jesus. Apesar da cegueira, os discípulos de Emaús acolhem aquele peregrino estranho como companheiro de viagem.
Jesus pergunta aos discípulos: “O que aconteceu?” Há aqui uma ironia. Aquele peregrino parece desconhecer o que aconteceu, mas na realidade são os discípulos que não sabem o que realmente está acontecendo: Jesus está vivo e conversa com eles.
A pergunta de Jesus faz com que saia do coração dos dois discípulos tudo o que está corroendo por dentro: Jesus foi uma decepção para eles, frustrou as suas expectativas e esperanças. Eles esperavam que Jesus fosse um conquistador que impusesse politicamente uma independência nacional, operasse uma exibição do seu poder divino pelos milagres, garantisse uma segurança construída sobre a prosperidade econômica. Jesus frustrou todas essas expectativas: “Nós esperávamos que ele fosse libertar Israel, mas apesar de tudo isso, já faz três dias que todas essas coisas aconteceram”.
Foi bom para os discípulos manifestar a decepção que corroía por dentro. Agora eles têm condições de reconhecer que o problema não era o que Jesus prometera, mas o que os discípulos esperavam. Eram as esperanças que estavam erradas, não as promessas de Jesus.
Com razão, Jesus adverte os discípulos: “Como sois sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram”. Eles não tinham entendido nada dos profetas, por isso começa uma aula pascal na qual Jesus explica as Escrituras. Os discípulos conheciam a Escritura, mas a interpretavam mal: tinham selecionado da Escritura somente as partes triunfais e imaginaram um messias segundo essa seleção. Jesus mostra que os discípulos devem também ler as passagens do Servo sofredor, a paixão de Jeremias e os salmos de lamento dos sofredores. Mais importante ainda é ler toda a Escritura a partir da vida e obra de Jesus. Somente assim terão acesso ao sentido autêntico das Escrituras.
A explicação aquece o coração dos discípulos, por isso eles pedem com insistência: “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando”. Jesus toma refeição com os discípulos e repete gestos que tinha feito na última ceia: “Tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía”. Isso abre os olhos dos discípulos e revela a identidade daquele misterioso peregrino: é Ele, e está vivo! As Escrituras falaram, de fato, de tudo o que deveria acontecer!
Jesus desapareceu da vista deles, porque agora a sua presença física não é mais necessária: Ele permanece presente, e eles experimentam isso.
Nesta Páscoa, convidemos nós também: fica conosco, Senhor! Façamos também como os dois discípulos que retornaram para Jerusalém a fim de anunciar a Ressurreição. A experiência do Ressuscitado é grande demais para ficar só com a gente.
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba