Nildo Benedetti
Filmes da Netflix: ‘Inspire expire’ e ‘Meu nome é Chihiro’ (parte 3 de 3)
Encerrei o artigo da semana passada escrevendo sobre o papel de homens e mulheres antes da ascensão do neoliberalismo.
Nas sociedades contemporâneas neoliberais domina o discurso proprietarista, empreendedorista e meritocrático. Todavia, há um abismo entre as declarações meritocráticas oficiais e as realidades enfrentadas pelas classes desfavorecidas em termos de acesso à educação e à riqueza.
O discurso meritocrático visa a justificar qualquer nível de desigualdade e serve para estigmatizar os perdedores por sua falta de mérito. Essa culpabilização dos mais pobres não existia, pelo menos não com a amplitude atual, antes da ascendência do neoliberalismo da década de 1980. A culpabilização se origina da aporofobia, ou seja, ao sentimento de ódio ou desprezo aos pobres. A aporofobia tem origem em duas justificativas neoliberais: a primeira é que o pobre é um perdedor, um fracassado na sociedade de consumidores; e a segunda é que o aspecto físico do pobre confronta o ideal de beleza exigida pelo neoliberalismo, que incita o indivíduo a buscar o autocontrole e a excelência, incluindo de sua aparência física. O mais surpreendente é que muitos aporofóbicos se dizem cristãos.
Segundo Piketty, há dois tipos de ideologias: uma desigualitarista e uma igualitarista. Cada uma delas é implementada por uma política, um sistema judiciário, um sistema tributário e um sistema educacional apropriados a estabelecer a desigualdade ou a igualdade. Essas escolhas dependem da noção de que cada sociedade tem da justiça social. Na ideologia desigualitarista, o ensino de boa qualidade é privatizado a custos impossíveis de serem arcados pela esmagadora maioria da população e a tributação é inversamente proporcional à renda, ou seja, a carga tributária de pessoas de baixa renda é mais alta do que a dos detentores das grandes fortunas. Esta situação cria a desigualdade que se retroalimenta com medidas que reforçam cada vez mais a desigualdade.
3- O feminismo para os 99%
Resumirei a seguir algumas ideias que expus na minha análise de “Inspire, expire”.
Como escrevi na parte 1 desta série de artigos, o objetivo aspirado em “Feminismo para os 99%” é o da criação de um feminismo internacional que se proponha a abolir o neoliberalismo que levou à condição em que 1% da população mundial detém metade da riqueza do planeta.
Procura também resgatar os direitos sociais e políticos perdidos no neoliberalismo que haviam sido duramente conquistados nas democracias capitalistas: “Quatro décadas de neoliberalismo derrubaram os salários, enfraqueceram os direitos trabalhistas, devastaram o meio ambiente e usurparam as energias disponíveis para sustentar famílias e comunidades”. As autoras criticam ferozmente o que chamam de “feminismo liberal”, que definem como aquele que leva mulheres a contentar-se com melhores cargos no mercado de trabalho e a se recusarem de atuar sobre as restrições socioeconômicas que tornam a liberdade e o empoderamento impossíveis para a grande maioria de mulheres de todas as etnias. Consideram o feminismo liberal o grande inimigo a ser combatido. O ardil neoliberal consiste em colocar em altos cargos algumas poucas mulheres para servir de argumento de que não há desigualdade de gênero e nem racial no neoliberalismo.
Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec