João Alvarenga
O apito da esperança
Oxalá isso não passe de mais uma promessa, porque governos antecessores também aventaram tal possibilidade, mas tudo não passou de uma alegria passageira
A reportagem de Wilma Antunes, domingo passado (26), mostra um cenário desolador: estações abandonadas, velhos barracões consumidos pelo tempo, carcaças de trens apodrecendo ao relento, trilhos enferrujados e mato. Muito mato na linha férrea que corta o perímetro urbano entre Sorocaba e Votorantim. O local parece um “cemitério de vagões”, como observou a radialista Cibele Freitas, da Cruzeiro FM -92,3. Ou seja, graças à opção pelo sistema rodoviário, o Brasil, aos poucos, foi aposentando os românticos trens de passageiros de longas distâncias, restando algumas poucas linhas interurbanas nas capitais do País.
No entanto, que o leitor não se engane, porque, apesar das aparências, trata-se de um rico patrimônio que ocupa uma área de quase duzentos mil metros quadrados, que compõem: prédio da estação, barracões, oficinas e várias construções, além de maquinários e ferramentaria que fazem parte do inventário daquilo que, um dia, foi a Estrada de Ferro Sorocabana (EFS). Esse levantamento faz parte de um aprofundado estudo feito pelo pesquisador Luciano Leite, o qual resultou na obra: “Estrada de Ferro Sorocaba e a reinvenção do passado”, editado em 2021 pela TCM. No livro, Leite, além de contar a história da EFS e seu vínculo com a cidade, também denuncia o estado crítico desse patrimônio.
Isso porque, segundo constantes reportagens, neste matutino, tudo, infelizmente, está nas mãos de terceiros, ou seja, de quem não tem nenhuma identidade com a cidade, pois há mais de 30 anos o setor foi terceirizado pelo governo federal. Desse modo, quem assumiu o setor, para obter lucros astronômicos, priorizou somente os trens de carga, porque os de passageiros geram custos com pessoal, além da manutenção interna dos vagões e outras despesas. Alegaram, na época, que as passagens não cobriam os investimentos.
Todavia, nem tudo está perdido. Ainda resta um apito de esperança, pois o governador Tarcísio de Freitas anunciou que o Estado pretende implantar os trens intercidades, com prioridade para os de passageiros. Detalhe: Sorocaba está inserida nesse projeto. Oxalá isso não passe de mais uma promessa, porque governos antecessores também aventaram tal possibilidade, mas tudo não passou de uma alegria passageira para muitos sorocabanos. Isso porque, até o presente momento, os remanescentes da antiga Estrada de Ferro Sorocabana convivem, dia a dia, com o desmonte silencioso daquilo que já foi a redenção de nossa economia.
Enquanto a cidade aguarda ansiosa pela volta dos trens de passageiros, as novas gerações, infelizmente, quando olham para os trens, que mais parecem sucatas, são incapazes de supor que o sistema ferroviário brasileiro tem um passado glorioso. Mais que isso, nem imaginam que Sorocaba é berço dessa linda história que começou a partir da segunda metade do século 19. Sim, foi graças aos esforços de Matheus Maylasky (e outros tantos abnegados sorocabanos), que empreenderam toda energia para tal engenho, a fim de impulsionar a economia da cidade. Devido a isso, o Brasil se projetou na ferrovia.
Antigamente, a vida das cidades girava em torno das “marias-fumaça” que iam e vinham, trazendo e levando passageiros para todos os cantos do País. Porém, por ironia do destino, o próprio progresso gerado pela força das locomotivas tornou-as obsoletas ao longo do tempo. O fim das ferrovias, no Brasil, solidificou as estradas de rodagem, com pavimento asfáltico. Na contramão disso, países europeus, até hoje, seguem firmes com um modelo que, além de mais seguro, gera menos desgastes, pois é notório que a manutenção das rodovias requer mais verbas. Tanto que parte das rodovias também foi terceirizada.
Por fim, quem conhece a história de Sorocaba (e sabe da importância da Sorocabana) sente uma profunda tristeza porque os interesses econômicos enterram o passado. Mas, como dizem, sem passado não há futuro. Pior: o presente é amargo. Bom domingo!
João Alvarenga é professor de redação