Celso Ming
Âncora com molejo
O arcabouço tem um pressuposto eleitoral: o de apresentar uma boa foto do governo em 2026
Habemus ancoram, diriam os latinos. Isso tem um lado bom, porque antes o barco podia ser arrastado pela correnteza.
O arcabouço fiscal tem de ser crível. É o que se exige desde o abandono do critério do teto de gastos, em janeiro. No entanto, a nova regra fiscal, divulgada na quinta-feira (30), pelo ministro Fernando Haddad precisa ainda ser aprovada e passar pela prova do pudim: funcionar na prática. Por isso, não dá ainda para dizer que seja crível, mas pode ser uma boa aposta.
O arcabouço foi concebido para ser o antigo plano de formação de superávits primários, ou seja, de obtenção de sobras de arrecadação (descontados os juros da dívida), mas submetidas a alguma flexibilidade, para gastar mais. Esse molejo corresponde a uma proporção da receita realizada no ano anterior e às tais bandas de flutuação das metas, que parecem favorecer mais o aumento das despesas.
Ao contrário do que vem propalando o ministro, não se trata de uma regra “extremamente simples”. Ela exige uma administração mais complexa e maior crescimento do PIB.
O arcabouço tem um pressuposto eleitoral: o de apresentar uma boa foto do governo em 2026, que é a de formar um superávit de 1% do PIB, quando a campanha eleitoral estará nas ruas e na TV. Essa percepção talvez seja uma razão pela qual a atual oposição possa trabalhar contra sua aprovação. Ou seja, a primeira incerteza é a da real disposição deste Congresso mais hostil ao governo de aprovar o novo ordenamento.
Outra incerteza está em saber se na prática ele se sustentará, especialmente se os gatilhos funcionarão caso a meta fiscal não for atingida. A impressão é a de que facilita os gastos, sem punição quando deixar de ser cumprido.
Além disso, depende da obtenção satisfatória de receitas. E estas, por sua vez, não dependerão apenas de um bom comportamento do PIB, mas de um esforço extra, que já foi anunciado. O plano do ministro Haddad é de obter um adicional que pode chegar a R$ 150 bilhões por ano, por meio de cobranças de quem está fugindo da boca do Leão ou de setores que gozam de bondades fiscais em isenções tributárias ou em subsídios -- e não com aumento da carga tributária. E essa empreitada também depende em boa parte do Congresso e do enredamento de velhos apropriadores de benesses do Tesouro.
Um dos objetivos de uma âncora fiscal sustentável é o controle da trajetória da dívida pública. E aí chegamos a uma necessária interdependência. O controle da dívida apenas será obtido com a derrubada decisiva dos juros, o que, por sua vez, só se tornará possível se as contas públicas estiverem sob controle.
Celso Ming é comentarista de economia