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Celso Ming

A ameaça de crise global

Embora esteja menos exposto do que os países centrais, o Brasil não está ileso

17 de Março de 2023 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

 

O colapso do Silicon Valley Bank, nos Estados Unidos, é a ponta de um iceberg que mostra vulnerabilidades do sistema financeiro global.

Por tudo quanto se sabe, o banco quebrou não por fraude ou por aplicação em ativos de qualidade duvidosa. Quebrou porque estava superaplicado no mais seguro título do mundo, o do Tesouro dos Estados Unidos (o treasury).

É fácil entender por que o treasury pode se desvalorizar e deixar um grande banco na pior, como aconteceu. Se os juros sobem rapidamente, os detentores de títulos não conseguem revendê-los no mercado pelo mesmo preço de face. Numa conta sem rigor aritmético, um treasury de US$ 1 mil que paga juros de 2% ao ano rende US$ 20 ao ano. Se os juros sobem para 5% ao ano, o novo treasury paga US$ 50 ao ano. Para render os mesmos US$ 50, o título de US$ 1 mil com juros contratuais de 2% ao ano tem de ser negociado no mercado a US$ 953. No caso do Silicon Valley, os correntistas correram aos saques -- o banco teve de vender seus ativos a preços mais baixos e, de uma hora para outra, ficou sem caixa.

Isso não tem a ver com falta de segurança do título. Bastaria esperar pelo vencimento para garantir os retornos contratuais. O que houve foi um descasamento de prazos. Se essa complicação derrubar mais bancos, com fragilidades dessa ou de outra ordem, como é o caso do Crédit Suisse -- solucionado com a abertura de créditos de 50 bilhões de francos suíços (US$ 53,7 bilhões) pelo Banco Nacional da Suíça (banco central) --, poderá tornar-se crise sistêmica

No final dos anos 1970 e início dos 1980, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), dirigido então por Paul Volcker, atirou de repente os juros para 20% ao ano para combater a inflação. Mas, apesar da forte recessão que se seguiu, nada parecido aconteceu, porque o mercado financeiro dos Estados Unidos e do mundo era relativamente pequeno. Em 2015, o valor total dos ativos das instituições financeiras do planeta era de US$ 325 trilhões, cerca de quatro vezes o PIB global daquele ano. Hoje, está em torno de mais de US$ 485 trilhões. Uma trinca nessa barragem ficou muito mais perigosa.

Agora os organismos reguladores do sistema financeiro global e os grandes bancos centrais têm de dar prioridade para debelar o risco de uma crise sistêmica. Isso exige redução dos juros -- o contrário do que vinha sendo programado. A dominância financeira, digamos assim, impede que os grandes bancos centrais executem a política monetária (política de juros) mais adequada para reconduzir a inflação para as metas estabelecidas.

Essa não é a única consequência macroeconômica importante. Os bancos serão obrigados a acionar mecanismos de autodefesa e isso exigirá contração do crédito e, assim, cobrará um preço em recessão.

Embora esteja menos exposto do que os países centrais, o Brasil não está ileso. O Banco Central do Brasil provavelmente terá de reduzir os juros. Forte retração do crédito, já restringido pelo fator Americanas, ficou mais provável. E o climão geral está mais para algum contágio via recessão.

Celso Ming é comentarista de economia