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João Alvarenga

Cidade vertical

Logo, a memória de determinado bairro se perde com os mais antigos, que também se vão, para dar lugar a novos moradores

11 de Março de 2023 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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“Amamos o já perdido / O bairro que foi arredores / Os antigos... que são mito e esplendor”. Nesses versos, Jorge Luís Borges expressa sua tristeza diante da descaracterização urbana da Argentina. A construção de prédios mudaram os bairros tradicionais de Buenos Aires. Tal queixa encontra eco entre arquitetos e urbanistas, pois a construção de um prédio sempre gera atritos entre o tradicional e o moderno. Ou seja: quando um casarão antigo é derrubado para dar lugar a um conjunto de apartamentos, inevitavelmente, o entorno sofre transformações.

Nesse contexto, já no século passado, o samba “Saudosa Maloca”, de Adoniram Barbosa, chamava a atenção sobre um fenômeno que afeta os centros urbanos, a gentrificação. Traduzindo: elevação sistemática do padrão dos bairros, para abrigar novos empreendimentos. Com isso, os moradores antigos perdem seus vínculos. O filme “Aquarius”, que tem Sônia Braga no elenco, ilustra essa realidade.

Exageros à parte, tal situação se aplica à realidade sorocabana, que vivencia a expansão de conjuntos de apartamentos no perímetro urbano. Esse processo se tornou um caminho sem volta, pois o setor está aquecido. Tanto que, em pouquíssimo tempo, foram construídos mais de mil empreendimentos em vários bairros sorocabanos. Isso representa um aumento de 119%. Nem os residenciais antigos, com características interioranas, escapam dessa onda.

Assim, aos poucos, o cenário se altera drasticamente. O que era chácara, ou barracão abandonado de alguma fábrica desativada, vira conglomerado de prédios. Logo, a memória de determinado bairro se perde com os mais antigos, que também se vão, para dar lugar a novos moradores. Na dinâmica social, tudo muda! Até mesmo a vizinhança do entorno tem um novo perfil, pois a espontaneidade de outrora dá lugar, agora, à preocupação com a segurança.

Para se ter uma ideia, em menos de cinco anos, a região do Cerrado, teve uma astronômica verticalização, com o desaparecimento de muitos casarios que deram lugar a inúmeros empreendimentos, que formam um cinturão de concreto. O horizonte é uma miragem, pois não há uma concentração de empreendimentos numa única região. Ou seja, a verticalização já chegou também aos bairros distantes. Se os saudosistas se queixam, há quem comemore. Pois, com o setor em alta, muitos operários têm emprego garantido; afinal, a crise passa longe da construção civil.

O cenário é promissor e as construtoras lembram que há inúmeros empreendimentos que estão em fase de acabamento na cidade. Os investidores visam atender a todos os níveis financeiros, desde apartamentos luxuosos, com 100 m², até edificações mais modestas, que não passam de 50m², para atender a um novo perfil: famílias de baixa renda que buscam condições dignas de moradia.

Logo, é factível que a paisagem urbana de Sorocaba está mudando rapidamente. Muitas vezes, nem nos lembramos de que, em determinada rua dum determinado bairro, havia certo casarão que fora posto abaixo para dar lugar a um moderno espigão, com uma praça de lazer. Para quem não se recorda, essa corrida imobiliária começou, de fato, a partir dos anos 90, com uma transformação radical do bairro Campolim, a partir da inauguração do hipermercado Carrefour.

Para muitos especialistas, a chegada desse empreendimento do setor alimentício era o indício de que a Zona Sul da cidade, em pouco tempo, seria o principal centro comercial da cidade. Notadamente, a avenida Antônio Carlos Comitre se transformou num potencial corredor para novos investidores. A construção do Esplanada Shopping (hoje, Iguatemi Esplanada) sedimentou essa tendência.

Tanto que, atualmente, quase ninguém se lembra de que, no início do século passado, aquela região era uma pacata fazenda de gado leiteiro de propriedade do senhor Achilles Campolim. Hoje, é um centro de lazer e gastronomia. Algo que também aconteceu com a rua Aparecida. Mas, isso é assunto para outra crônica. Bom domingo!

João Alvarenga é professor de redação