Dom Julio Endi Akamine
Pecado original e pecado pessoal
O primeiro erro é o de reduzir a influência de Adão a um mero mau exemplo
Os males que afligem atualmente o homem, sobretudo a sua inclinação ao mal, não podem ser compreendidos sem relação com o pecado de Adão. Com efeito, Adão e Eva nos transmitiram um “pecado” que diz respeito a todos nós desde o nosso nascimento. Esse pecado transmitido é chamado de “pecado original”.
Surgem algumas dificuldades que precisam ser respondidas: como podemos ser responsabilizados por um pecado que não cometemos? Como o pecado de Adão pode ser o pecado de todos? O batismo é feito para a remissão dos pecados que, no caso de crianças, inclui também o pecado original: como é possível acusar uma criança de pecado, uma vez que é evidente a sua inocência?
Para superar estas dificuldades é preciso levar em conta três coisas.
Em primeiro lugar, é a unidade de todos os homens que faz com que todos estejam implicados na culpa de Adão assim como na justificação de Cristo. Essa primeira e necessária observação abre caminho para a segunda: não podemos encontrar uma explicação racional totalmente compreensível do modo em que o pecado original se transmita a nós. A terceira observação consiste no fato de que Adão e Eva receberam uma justiça original não somente para si, mas também para seus descendentes. Em outras palavras, na sua obediência ao desígnio de Deus e possuindo pessoalmente a graça, eles deviam ser os “transmissores” desse estado de justiça e de santidade para os seus descendentes. Com o pecado, que neles é “pessoal”, fizeram com que os outros se encontrassem privados da graça, uma vez que a natureza humana que eles transmitiram está privada dela.
O bem e o mal que cada um de nós realiza não é importante somente para nós, mas diz respeito também a todos os outros. O “pecado das origens” provocou essa privação da graça em todos, porque os nossos progenitores tinham sido chamados, na obediência a Deus, a comunicar a todos a graça e a amizade divina transmitindo a vida humana, ou seja, a “natureza humana”. Dado que essa mediação fracassou, o homem vem ao mundo privado da santidade e da justiça. O “pecado das origens” interrompeu essa comunicação de amor que Deus queria nos fazer através da mediação de Adão e Eva.
O pecado original é real em nós, mas é assim chamado de “pecado” de maneira analógica, pois ele não é um pecado que nós tenhamos “cometido”, mas que nós “contraímos” por termos recebido uma natureza humana ferida pelo pecado.
O pecado original não é um ato pessoal, mas é um estado no qual nos encontramos independentemente de nossa vontade e que, com nossos pecados pessoais, ratificamos e fazemos nossa.
Para compreender corretamente a doutrina do pecado original, é preciso evitar dois erros.
O primeiro erro é o de reduzir a influência de Adão a um mero mau exemplo. Isso leva a considerar também Cristo somente um bom exemplo e, por isso, a afirmar que não precisamos da sua graça. Outro erro está no extremo oposto dessa posição: considerar a natureza humana totalmente corrompida e incapaz de fazer bem algum. Diante dessas posições extremas, a Igreja insiste sobre a realidade do pecado original e sobre a impossibilidade de se libertar dele somente com as próprias forças: somente pelos méritos de Cristo, que são aplicados a nós no batismo, podemos nos ver livres dele. Por outro lado, não considera o homem totalmente corrompido. O homem pecador continua a ser criatura de Deus, continua a ser amado por Deus. A sua bondade criatural, certamente ferida, permanece. Por isso é capaz, sempre movido por Deus e pela sua graça, de acolher o dom do perdão que Deus lhe oferece e de cooperar na própria justificação.
A doutrina do pecado original é, sem dúvida, uma doutrina muito difícil de compreender. Sem ela, porém, muitas outras coisas da vida humana se tornam ainda mais incompreensíveis. Esquecer ou ocultar ao próprio homem a situação de pecado no qual ele nasce e o seu relativo domínio conduz a erros graves na educação e no convívio social. A doutrina do pecado original constitui para o homem uma advertência de sadio realismo.
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba