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Nildo Benedetti

Filmes da Netflix: O destino de Haffmann (parte 2 de 2)

O leitor não terá dificuldade de associar os acontecimentos históricos resumidos à narrativa do filme

27 de Janeiro de 2023 às 01:58
Cruzeiro do Sul [email protected]
Blanche (Sara Giraudeau) representa a parcela humanizada da população
Blanche (Sara Giraudeau) representa a parcela humanizada da população (Crédito: DIVULGAÇÃO)

Na última sexta-feira mencionei a República de Vichy, de ideologia fascista, que marcou o colaboracionismo da França com o nazismo. Afirma o já citado Claude Levy que a França estava coberta de campos de concentração e neles havia, além de judeus, também republicanos espanhóis, maçons, ciganos. Todos eram entregues aos alemães, conforme os comboios e os pedidos.

Janeiro de 1942

Aos 20 de janeiro desse ano foi realizada em Berlim a Conferência de Wannsee, em que líderes do governo nazista e da SS traçaram o plano para a Solução Final da Questão Judaica, que consistia no extermínio dos judeus das áreas ocupadas pela Alemanha.

Julho de 1942

Em junho de 1942 Adolf Eichmann convoca seus conselheiros na França, Bélgica e Holanda a fim de estabelecer planos para a deportação dos judeus desses países. Segundo Hannah Arendt, o comandante militar da SS Heinrich Himmler ordenara que a França recebesse prioridade absoluta, porque o governo de Vichy havia demonstrado uma “compreensão” realmente surpreendente do problema judaico e introduzira, por iniciativa própria, uma boa dose de legislação antijudaica.

Aos 16 e 17 de julho, a polícia parisiense, supervisionada pelos alemães, organiza uma jornada para prender judeus na capital. Segundo Claude Levy, os alemães planejaram deter somente pessoas com mais de 16 anos. Mas a polícia de Paris executou a tarefa naqueles dias infames com um zelo que foi elogiado pelos alemães. E então 4.051 crianças foram enviadas aos campos de concentração. Nenhuma criança voltou. Quando chegavam ao campo eram mandadas imediatamente para as câmaras de gás.

*

O leitor não terá dificuldade de associar os acontecimentos históricos acima resumidos à narrativa do filme. Verá, por exemplo, que a grande parte das ações de repressão são conduzidas pelos próprios franceses e não por alemães. A escolha de um joalheiro como personagem ajuda a entender o processo de extorsão dos judeus que, para fugir, vendiam ou penhoravam seus bens a preços vis.

François é o personagem que vai se degradando conforme o filme avança. Ele é figura da própria degradação moral da França durante a ocupação alemã e seu nome tem evidente semelhança sonora com o nome do país. No princípio Blanche, a esposa de François, desconfia da proposta de Haffmann, mas vai mudando. É a personagem que representa a parcela humanizada da população que procurou proteger os judeus naquele período trágico e seu nome traz a conotação da “igualdade” entre os seres humanos, simbolizada no branco (blanche) da bandeira francesa.

O reencontro de Haffmann com a família não ocorreu na joalheria, o que pode ser observado nas paredes, que sugerem as de uma casa de campo, embora a porta seja a mesma da joalheria. E também a prisão de François como judeu é meio estranha porque Blanche também deveria ter sido presa como a esposa de um judeu. O final feliz do filme parece conter a estúpida tese de que o bem sempre vence o mal. Mas, pela estranheza das duas cenas, prefiro dar um crédito ao diretor e pensar que o final feliz foi uma concessão comercial ao grande público e que o reencontro de Haffmann com a família é uma visão de como as coisas poderiam ter ocorrido, mas que na realidade não ocorreram. Esta interpretação trágica do final é compatível com o restante do filme.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

Na última sexta-feira mencionei a República de Vichy, de ideologia fascista, que marcou o colaboracionismo da França com o nazismo. Afirma o já citado Claude Levy que a França estava coberta de campos de concentração e neles havia, além de judeus, também republicanos espanhóis, maçons, ciganos. Todos eram entregues aos alemães, conforme os comboios e os pedidos.
Janeiro de 1942.
Aos 20 de janeiro desse ano foi realizada em Berlim a Conferência de Wannsee, em que líderes do governo nazista e da SS traçaram o plano para a Solução Final da Questão Judaica, que consistia no extermínio dos judeus das áreas ocupadas pela Alemanha.
Julho de 1942
Em junho de 1942 Adolf Eichmann convoca seus conselheiros na França, Bélgica e Holanda a fim de estabelecer planos para a deportação dos judeus desses países. Segundo Hannah Arendt, o comandante militar da SS Heinrich Himmler ordenara que a França recebesse prioridade absoluta, porque o governo de Vichy havia demonstrado uma “compreensão” realmente surpreendente do problema judaico e introduzira, por iniciativa própria, uma boa dose de legislação antijudaica.
Aos 16 e 17 de julho, a polícia parisiense, supervisionada pelos alemães, organiza uma jornada para prender judeus na capital. Segundo Claude Levy, os alemães planejaram deter somente pessoas com mais de 16 anos. Mas a polícia de Paris executou a tarefa naqueles dias infames com um zelo que foi elogiado pelos alemães. E então 4.051 crianças foram enviadas aos campos de concentração. Nenhuma criança voltou. Quando chegavam ao campo eram mandadas imediatamente para as câmaras de gás.
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O leitor não terá dificuldade de associar os acontecimentos históricos acima resumidos à narrativa do filme. Verá, por exemplo, que a grande parte das ações de repressão são conduzidas pelos próprios franceses e não por alemães. A escolha de um joalheiro como personagem ajuda a entender o processo de extorsão dos judeus que, para fugir, vendiam ou penhoravam seus bens a preços vis.
François é o personagem que vai se degradando conforme o filme avança. Ele é figura da própria degradação moral da França durante a ocupação alemã e seu nome tem evidente semelhança sonora com o nome do país. No princípio Blanche, a esposa de François, desconfia da proposta de Haffmann, mas vai mudando. É a personagem que representa a parcela humanizada da população que procurou proteger os judeus naquele período trágico e seu nome traz a conotação da “igualdade” entre os seres humanos, simbolizada no branco (blanche) da bandeira francesa.
O reencontro de Haffmann com a família não ocorreu na joalheria, o que pode ser observado nas paredes, que sugerem as de uma casa de campo, embora a porta seja a mesma da joalheria. E também a prisão de François como judeu é meio estranha porque Blanche também deveria ter sido presa como a esposa de um judeu. O final feliz do filme parece conter a estúpida tese de que o bem sempre vence o mal. Mas, pela estranheza das duas cenas, prefiro dar um crédito ao diretor e pensar que o final feliz foi uma concessão comercial ao grande público e que o reencontro de Haffmann com a família é uma visão de como as coisas poderiam ter ocorrido, mas que na realidade não ocorreram. Esta interpretação trágica do final é compatível com o restante do filme.
Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec