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Nildo Benedetti

Filmes da Netflix: ‘O destino de Haffmann’ (parte 1 de 2)

O filme trata de um sórdido episódio da história da França: o do colaboracionismo com o nazismo

20 de Janeiro de 2023 às 00:51
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Daniel Auteuil vive o joalheiro judeu Joseph Haffmann
Daniel Auteuil vive o joalheiro judeu Joseph Haffmann (Crédito: DIVULGAÇÃO)

Este filme de 2019 do diretor francês Fred Cavayé acompanha a vida de três personagens: o joalheiro judeu Joseph Haffmann, seu auxiliar François Mercier e a esposa deste, Blanche Mercier. A maior parte da ação se desenvolve no interior claustrofóbico e escuro da joalheria.

O filme transcorre entre 1941 e 1942 em Paris. Quando o exército alemão ocupa a cidade, Haffmann transfere a esposa e os três filhos para um lugar da França supostamente seguro. Para poder reencontrar a família, ele monta um plano para se desfazer temporariamente da joalheria: sem receber dinheiro em troca, “vende-a” oficialmente ao seu auxiliar François, com a condição de que este lhe devolva a loja a quando a guerra terminar. Assim, dinheiro não entra na transação. François e a esposa Blanche mudam-se para o apartamento de Haffmann que fica no piso superior da joalheria. Contudo, Haffmann não consegue escapar para se encontrar com a família, retorna à loja e se esconde no quarto dos filhos e depois no porão até que possa novamente tentar fugir.

O filme trata de um sórdido episódio da história da França: o do colaboracionismo com o nazismo. Mas o faz nas entrelinhas, de forma quase imperceptível e, para esclarecer este meu ponto de vista, será necessária uma breve explanação histórica sobre três das sessões em que o filme se desenvolve: maio de 1941, janeiro de 1942 e julho de 1942. Para tanto, tomei por base, entre outras fontes, os livros “Ascensão e queda do Terceiro Reich”, de William L. Shirer; “Eichmann em Jerusalém”, de Hannah Arendt; “O império de Hitler”, de Mark Mazower; e o documentário “A tristeza e a piedade -- crônica de uma cidade francesa sob ocupação”, de 1969, dirigido por Marcel Ophüls.

Maio de 1941

Aos 13 de junho de 1941, o Exército nazista alemão ocupa Paris. Nove dias depois, a França assina um acordo de armistício pelo qual os invasores ocupam a parte norte do país e a linha costeira do Atlântico. No Sul da França é estabelecida a República de Vichy, de ideologia fascista, subordinada à Alemanha e chefiada pelo marechal francês Philippe Petain. Pierre Laval era o presidente. Ao final da guerra, em 1945, Petain foi condenado à prisão perpétua e Laval foi executado.

O historiador, biólogo e escritor judeu Claude Levy experienciou o período do colaboracionismo francês com o nazismo. Em seu depoimento que consta no documentário já citado, “A tristeza e a piedade”, afirma: “A França colaborou, foi o único país da Europa que colaborou. Outros assinaram armistícios, capitularam em campo aberto, mas a França foi o único país cujo governo colaborou e instaurou leis que, no plano racista, iam mais longe do que as leis de Nuremberg, pois os critérios racistas franceses eram ainda mais exigentes do que os critérios alemães.

A vida de Haffmann é normal em maio de 1941. Como, após a invasão de junho pelos alemães, começou a catalogação dos judeus pelas autoridades francesas, ele envia a esposa e os filhos para Clermont-Ferrant, situada na República de Vichy, acreditando que ali sua família estaria segura. Convém esclarecer que Clermont-Ferrand, é justamente a cidade objeto de crônica do documentário de Ophüls, “A tristeza e a piedade”, que desnuda aquele indigno episódio da história francesa.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec