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Nildo Benedetti

Filmes da Netflix: ‘Urso branco’, da série ‘Black Mirror’ (parte 1 de 3)

23 de Dezembro de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Símbolo estranho: tatuagem nas costas do noivo de Victoria
Símbolo estranho: tatuagem nas costas do noivo de Victoria (Crédito: DIVULGAÇÃO)

Antes, um aviso: Para oferecer ao leitor uma interpretação útil deste episódio da série inglesa Black Mirror serei forçado a dar “spoilers”.

A protagonista do episódio, Victoria, desperta sentada com os punhos amarrados em frente a um aparelho de televisão. A tela exibe um símbolo estranho de três pontas e, no chão, vemos pílulas e um frasco de remédio vazio. Ela não tem explicação para as pílulas, não reconhece a casa, mas vê sua foto com um homem e a de uma criança. Sai da casa e pede socorro, desesperada, mas ninguém responde a seu apelo. Um homem mascarado tenta assassiná-la. Ela foge e se refugia em um posto de gasolina. Ali encontra um casal de jovens que procura ajudá-la, porque também está fugindo. A jovem do casal, Jem, explica o que está ocorrendo: uma ação publicitária o símbolo de três pontas visto por Victoria no início do episódio apareceu nas televisões e tornou os espectadores fascinados por violência. Jem está em luta contra esse processo de lavagem cerebral e planeja destruir a antena transmissora do símbolo.

O episódio continua com uma série de acontecimentos violentos até que Victoria e Jem acessam a o local da antena de transmissão e começam a tentar destruí-la. Outros chegam para impedi-las e trava-se uma luta. Então, uma cortina se abre, mostrando um teatro. Um motorista de furgão que na verdade é o líder do espetáculo - e Jem reaparecem e amarram Victoria em uma cadeira. O motorista revela que Victoria é uma fria assassina e que, com seu noivo (o rapaz que aparece na foto com ela na casa), sequestrou e matou uma criança (a que está no porta-retratos). O público que lota o teatro gente de todas as idades - aplaude o exibição e hostiliza Victoria. O espetáculo será reiniciado no dia seguinte para uma nova sessão ao público, porque sua memória atual será apagada.

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Penso que “Urso Branco” trate de três aspectos principais intimamente relacionados. Contudo, para efeito didático, serão aqui expostos separadamente: o sentimento de prazer com o sofrimento alheio, a aplicação do conceito de “sociedade do espetáculo” e o conceito de Justiça.

Comecemos pela pergunta: por que os seres humanos, em várias circunstâncias, sentem prazer com o sofrimento alheio? No episódio, isto é claro: a dor de Victoria é fotografada pelo púbico de qualquer idade e sexo para continuar a ser usufruída depois do término do espetáculo.

“Schadenfreude”, que significa alegria no dano alheio, é o termo alemão para esse sentimento extremamente complexo do ser humano. Sua complexidade vem do fato de nosso comportamento responder simultaneamente a questões genéticas, sociais e psicológicas. Freud, em suas observações clínicas, concluiu que a capacidade pessoal de um ser humano de transformar os impulsos egoístas para adaptá-los à cultura se compõe de duas partes: uma inata e outra adquirida no curso da vida e que a relação entre as duas, “tanto entre si quanto com a parte da vida instintual que permanece inalterada, é muito variável”, ou seja, prevalece uma conjugação, em proporções variáveis de indivíduo para indivíduo, entre disposições inatas e interações com o ambiente. Por isso, frente ao sofrimento do outro podemos observar diferentes reações de pessoa para pessoa.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec.

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