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Nildo Benedetti

Filmes da Netflix: ‘Nada de novo no front’ (parte 3 de 3)

02 de Dezembro de 2022 às 00:01
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Ilustração
Ilustração "Refeição nas trincheiras", do pintor alemão Otto Dix, sobre a 1ª Guerra Mundial (Crédito: REPRODUÇÃO)

Na semana passada citei as observações de Freud sobre a guerra. Ele referiu-se também à baixa moral e ética revelada pelos Estados - mesmo os altamente civilizados - nas relações com estados do mundo exterior, principalmente nas guerras. Ao mesmo tempo, internamente esses mesmos estados exigem de seus habitantes altos padrões morais para impedi-los de realizar atos que seriam contrários aos que são exigidos em sociedades civilizadas. Quando o indivíduo participa de uma guerra, toma o estado como modelo e os impedimentos que determinam o seu comportamento social se afrouxam. Ele passa a agir conforme se espera dele como soldado, liberando suas piores paixões e executando atos de crueldade, fraude, traição e barbárie que não teriam possibilidade de praticar em tempo de paz.

Na verdade, diz Freud, não existe a erradicação do mal. Raramente um ser humano é totalmente bom ou mau, porque via de regra ele é bom em certas circunstâncias e indiscutivelmente mau em outras. Por isso, o desapontamento a respeito do comportamento incivilizado dos soldados durante a Primeira Guerra Mundial e de todas as outras guerras foi injustificado, porque baseou-se numa ilusão sobre a psicologia do ser humano. “Na realidade, nossos concidadãos não decaíram tanto quanto temíamos porque nunca subiram tanto quanto acreditávamos”. E completou escrevendo que quando Estados e coletividade de indivíduos mutuamente cancelam as restrições morais, estimulam os cidadãos individuais a se afastarem momentaneamente da constante pressão da civilização e a concederem uma satisfação temporária às pulsões destrutivas.

Vários motivos contribuíram para uma modesta contenção de conflitos nos dias de hoje, mas todos estão relacionados ao medo dos devastadores efeitos materiais e humanos que elas acarretam. É decepcionante constatar que a diminuição de atritos nada tem a ver com a evolução moral e ética da humanidade ou à tomada de consciência do valor da vida de todos os seres humanos e não apenas de alguns. Líderes, movidos por pulsões destrutivas exacerbadas, continuam a seduzir seguidores propensos à agressividade.

As catástrofes humanitárias e materiais que foram geradas na Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918), na Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), a violência das revoluções em vários países, o ideal nazista de destruir tudo para reiniciar uma nova humanidade etc. tiveram efeito muito menor na conscientização da estupidez das guerras do que seria razoável esperar.

Na guerra, o sujeito se animaliza. Paul vai se transformando em um assassino cruel, mas conserva vestígios de humanidade quando socorre um soldado inimigo que ele atacara com fúria pouco antes e diz várias vezes ao cadáver que lamenta muito seu ato. É uma das cenas mais tocantes do filme, porque sintetiza toda a irracionalidade da guerra. Tal irracionalidade pode também ser constatada nas palavras finais do filme: “Pouco depois do início das hostilidades, em outubro de 1914, a frente ocidental (alemã) ficou bloqueada na guerra de trincheiras. No final da guerra, em novembro de 1918, as linhas de frente (alemãs) mal tinham se deslocado. Mais de três milhões de soldados morreram aqui, muitas vezes lutando para ganhar poucos metros de terreno. Morreram quase 17 milhões de pessoas na Primeira Guerra Mundial.”

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec.

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