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Dom Julio Endi Akamine

O fim do mundo

Por isso, o julgamento dos vivos e dos mortos não será apenas o "dia da ira". Será sobretudo o dia da volta do Senhor

27 de Novembro de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Dom Júlio Endi Akamine.
Dom Júlio Endi Akamine. (Crédito: Manuel Garcia / Arquivo JCS (11/7/2019))

O “fim do mundo” é uma notícia consoladora de esperança, uma vez que a crença no retorno do Senhor para julgar consiste em acreditar que o mundo se move em direção a Jesus Cristo. No fim de tudo acontecerá o triunfo da verdade, da liberdade e do amor. Não é, portanto, uma força anônima que destruirá tudo. Pelo contrário, será uma Pessoa que tudo levará à plenitude.

Crer no fim do mundo, para o cristão, significa que o mundo não findará por um processo físico automático e necessário. Ele chegará ao seu fim-finalidade a partir de decisões da liberdade. O sentido de tudo não será o resultado de um processo natural e sim da responsabilidade baseada na liberdade. Por isso a volta do Senhor será a Sua vinda como juiz dos vivos e dos mortos. A fé no fim do mundo e na vinda do Senhor como juiz desperta a consciência da responsabilidade humana, opondo-a à falsa confiança de quem acredita ser suficiente dizer “Senhor, Senhor!” para entrar no Reino.

Isso tudo faz com que o cristão leve a sério o exercício de sua liberdade. Trata-se de liberdade dada por Cristo, é verdade, mas verdadeira liberdade, a qual não é suprimida pela graça divina. O destino definitivo do mundo e de cada ser humano não é imposto por Deus. Parafraseando Santo Agostinho, podemos dizer que o Criador nos fez sem nós, mas Ele não nos salvará sem nossa liberdade. A onipotência divina se manifesta ainda mais no fato de fazer a liberdade humana cooperar com a graça do que em criar sem essa cooperação.

Nesse sentido, a fé cristã afirma tanto a eficácia da graça quanto a responsabilidade do cristão. A salvação é dom e responsabilidade. A vinda do Senhor como juiz incute tanto a alegria e a confiança do Evangelho da graça que nos arranca da própria impotência, quanto a seriedade da responsabilidade que nos é exigida em nosso cotidiano.

O cristão vive, por um lado, a serenidade de quem foi libertado do pecado e posto na justiça superabundante que é Jesus Cristo e, por outro, a responsabilidade de saber que com Deus não se brinca. O cristão tem, por um lado, a consciência jubilosa de que nada pode destruir o que Deus fez, de que o Seu amor é sem arrependimento. Sabe também que deve levar Deus a sério e que deverá prestar contas dos dons que lhe foram confiados. O julgamento final põe o cristão diante de Jesus que irá perguntar sobre a responsabilidade e o modo como a liberdade foi usada.

Uma vez que recitamos sempre o “Creio”, continuamente somos chamados a levar nossa vida a sério e é exatamente essa seriedade, que confere dignidade ao nosso viver.

O julgamento dos vivos e dos mortos se dará de acordo com as obras de cada um, ou seja, sem minimizar a responsabilidade do cristão; “revelará a disposição secreta dos corações”. Não será uma ação extrínseca, ao contrário, tornará evidente a verdade de cada um. O dom de Deus é sem arrependimento, mas para alcançar a salvação é indispensável aceitá-lo com todo o coração, e é o julgamento do último dia que revelará a aceitação ou a recusa da graça e do amor de Deus.

Nesse sentido, a fé cristã é muito coerente em apresentar as obras de misericórdia não como moeda de troca, mas como sinais reveladores das disposições interiores de cada um. Com efeito, a atitude em relação ao próximo revelará o acolhimento ou a recusa da graça e do amor divino. Jesus dirá no último dia: “Todas as vezes que fizestes isso a um destes mais pequeninos que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes”.

Professar que o Senhor virá para “julgar os vivos e os mortos” significa crer que o desfecho do mundo não depende de nós, mas está nas mãos de Deus, que a última palavra sobre este nosso mundo não será dada pela injustiça. Temos a certeza fundada de que a última instância de apelação que garante a justiça e o amor é a do Senhor Jesus.

Quem vem para julgar os vivos e os mortos não é um deus qualquer, indefinido, desconhecido. O julgamento foi confiado a Jesus que, como homem verdadeiro, é nosso irmão. Assim não é um estranho que nos julgará, mas Aquele que nós conhecemos pela fé. Não seremos postos perante um juiz que nos desconhece, mas diante dAquele que é um de nós, que conheceu e sofreu nossa existência humana em todos os seus aspectos.

Por isso, o julgamento dos vivos e dos mortos não será apenas o “dia da ira”. Será sobretudo o dia da volta do Senhor. O cristão, enquanto caminha nesta vida recita tanto o “dies irae” quanto o “Maranatá” (vem Senhor Jesus)!

“Naquele dia do temor, o cristão perceberá, surpreso, que Aquele a quem ‘foi dado todo o poder no céu e sobre a terra’ (Mt 28,18) foi, na fé, o companheiro de seu dias na Terra, e é como se lhe impusesse as mãos já agora, nas palavras do Símbolo, para dizer: ‘Não tenha medo, sou eu’. Talvez seja esse pensamento, que é o pano de fundo de nosso Credo, a melhor resposta para o problema intrincado do juízo e da graça” (RATZINGER, J. Introdução ao Cristianismo, 240).

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba