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Nildo Benedetti

Filmes da Netflix: ‘Nada de novo no front’ (parte 2 de 3)

18 de Novembro de 2022 às 00:01
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Obra
Obra "O soldado ferido", do pintor alemão Otto Dix, que combateu na 1ª Guerra Mundial (Crédito: REPRODUÇÃO)

Encerrei o artigo da semana passada citando os quatro segmentos em que o filme se divide. Quando o filme começa, vemos jovens estudantes alemães festejando a possibilidade de se tornarem soldados. Contudo, já nas primeiras lutas, o entusiasmo inicial é substituído pelo medo. São forçados a roubar comida dos agricultores franceses, vivem dramas pessoais envolvendo mães, mulheres e filhos e assistem aos mesmos dramas por outros combatentes.

O espírito de festa que antecedeu a guerra foi bem descrito pela historiadora e política Ruth Henig: por toda a Europa havia uma excitação gerada pela declaração de guerra. Os jovens - não só na Alemanha, mas também na Grã-Bretanha, na França e na Rússia - clamavam por serem convocados, porque consideravam que a guerra daria oportunidade ao heroísmo e atos de rebelde bravura.

Já em 1909, o poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti, fascista militante, escreveu no seu manifesto do futurismo: “Queremos glorificar a guerra única higiene do mundo o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos anarquistas, as bela ideias e o desprezo da mulher. Queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de todo tipo e combater o moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista e utilitária”.

De lá para cá as coisas mudaram. As mulheres tiveram seu papel social radicalmente modificado e hoje um defensor da guerra como forma de higienização do mundo é considerado um imbecil. Contudo, o espírito do fascismo implícito na citação de Marinetti, com toda a sua estupidez e violência, foi desenterrado e está de volta, com adições de preceitos nazistas. É a “Síndrome da idade de ouro”, própria de quem acha difícil enfrentar a vida atual e acaba fantasiando que o passado era melhor do que o presente.

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O filme levanta uma questão desconcertante: Por que os homens, provocando e sofrendo tantas desgraças, insistem em fazer a guerra?

Freud referiu-se à guerra em vários textos e citarei três dos mais importantes. Em 1932 escreveu “Por que a guerra?”, uma carta aberta a Albert Einstein. Anteriormente havia publicado “Reflexões para os tempos de guerra e morte” e “Sobre a Transitoriedade”, ambos de 1915. Neste último, com sua habilidade literária e sua percepção sobre a natureza humana, apenas meio ano depois do início da Primeira Guerra Mundial, assim descreveu as consequências materiais e psicológicas do conflito: “Não só destruiu a beleza dos campos que atravessava e as obras de arte que encontrava em seu caminho, como também destroçou nosso orgulho pelas realizações de nossa civilização, nossa admiração por numerosos filósofos e artistas, e nossas esperanças quanto a um triunfo final sobre as divergências entre as nações e as raças. Maculou a elevada imparcialidade da nossa ciência, revelou nossos instintos em toda a sua nudez e soltou de dentro de nós os maus espíritos que julgávamos terem sido domados para sempre, por séculos de ininterrupta educação pelas mais nobres mentes (...). Roubou-nos do muito que amáramos e mostrou-nos quão efêmeras eram inúmeras coisas que consideráramos imutáveis”. A constatação desta realidade poderia despertar nosso sentimento de desilusão com respeito à moralidade do ser humano. Mas o fato é que a diferença radical de comportamento dos indivíduos na paz e na guerra não deve surpreender”, escreveu Freud.

Está série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec.

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