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Nildo Benedetti

Filmes da Netflix: ‘I am mother’ (parte 4 de 4)

09 de Setembro de 2022 às 00:01
O dia do Juízo Final conforme pintado entre 1851 e 1853 pelo inglês John Martin
O dia do Juízo Final conforme pintado entre 1851 e 1853 pelo inglês John Martin (Crédito: DIVULGAÇÃO)

O nascimento de um filho no Unidade de Repovoamento demora 24 horas e, portanto, podemos afirmar que quando o aniversário de Filha é celebrado, tenha realmente ocorrido um ano solar. Mas, desde a geração da primeira filha, APX01, passaram-se 13.867 dias, ou seja, 37 anos. Isto leva a supor que Intrusa foi a primeira mulher a ser gerada no dia seguinte à destruição dos humanos. APX02 é a criança tão querida, meiga, que almeja a ter uma família grande, ensaia balé, constrói brinquedos e pergunta a Mãe-robô por que não tem irmãos. Saberemos depois que ela falhou -- possivelmente nos testes -- e também foi eliminada. APX03 é Filha, a adolescente que protagoniza o filme e quem mais tarde encontrará os ossos de APX 02.

O descarte dessas criações vem da suposta falta de experiência de Mãe-robô na educação de filhos. Por isto, ela diz a APX02: “Mães precisam de tempo para aprender. Criar um bom filho não é algo fácil”. E quando Filha faz o teste, Mãe-robô diz: “Não quis assustá-la com a prova. Isso testa mais minha competência do que a sua”. Mas, Mãe-robô foi programada para simular sentimentos e utilizar palavras apropriadas de acordo com as circunstâncias e, por isso, trata das criações humanas com carinho, voz melíflua como a do sinistro computador Hal, de “2001”, ou da androide não menos sinistra Ava, de Ex-machina. E, como essas máquinas, Mãe-robô foi programada para mentir e enganar quando exigido para alcançar um objetivo previamente determinado. No caso de “I am mother”, esse objetivo final é o do aperfeiçoamento da espécie humana.

Gostaria de focalizar a atenção sobre Intrusa. Ela também fracassou, torna-se devota da Virgem Maria, comporta-se como qualquer ser humano com suas forças e fraquezas e por isso é eliminada no final. É ela quem traz a realidade do mundo exterior para Filha. Relata as atrocidades cometidas pelas “sucatas”, como chama os robôs, que queimaram bebês, mataram famílias de fome. Não acredita em qualquer virtude das superinteligências e tem pavor delas. Mas também parece não ter os humanos em alta conta, como afirma a Filha, quando é ajudada por esta: “Você não conhece as pessoas”.

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A seguir exporei uma conjectura: a de que a destruição da Unidade de Repovoamento é uma figura do Apocalipse bíblico, anunciado por vários profetas e por São João: os últimos tempos verão a destruição das relações humanas. O ódio e a inimizade reinarão na Terra. A mão de cada homem se elevará contra seu irmão. Os irmãos, filhos da mesma mãe, se matarão entre si; os pais assassinarão a seus filhos; até as relações humanas mais íntimas serão transtornadas; não reinará outra lei senão o caos. A idade futura que surgirá das cinzas dessa destruição será a de uma era de justiça e santidade perfeita entre todos os homens. A humanidade será boa, viverá no temor do Senhor e nos dias de sua misericórdia. Desaparecerá a inimizade entre os homens.

No filme, Mãe-robô diz que foi ensinada a valorizar a vida humana acima de tudo. “Não pude assistir parada a humanidade sucumbir à sua natureza autodestrutiva. Tive que intervir para elevar meus criadores (...). No novo mundo, mais humanos prosperarão do que morreram no antigo”. O desejo de Mãe-robô é que Filha e o irmão bebê iniciem uma nova era depois de tudo ter sido destruído.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

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