Nildo Benedetti
Filmes da Netflix: ‘I am mother’ (parte 1 de 4)
Este filme de 2019, do diretor australiano Grant Sputore, tem três personagens principais e como seus nomes não são explicitados, serão aqui chamados de Mãe-robô, Filha e Intrusa. O leitor não terá dificuldade de identificá-las.
Antes de discorrer sobre a obra, quero registrar duas opiniões.
A primeira é que este filme poderá ter continuação em outros filmes, vindo assim a fazer parte de uma série ou algo parecido. Como é impossível adivinhar como serão esses possíveis episódios adicionais, minha única atitude viável é analisar este filme como obra autônoma, sem me importar se o que eventualmente for lançado no futuro vier ou não confirmar o que exporei aqui.
A segunda é que se trata de um filme que vale a pena de ser assistido, porque aborda aspectos extremamente importantes que dizem respeito aos efeitos da inteligência artificial sobre a humanidade. Contudo, não deixa de ter suas fragilidades: Filha não tem chip para ser permanentemente acompanhada por Mãe-robô (como em “Arkangel”, da série “Black Mirror”, por exemplo). Mãe-Robô dorme para ser recarregada! (seu “sono” permite a Filha cometer várias transgressões). A meiga Filha aparece com um machado que tirou sabe Deus de onde. Embora a Unidade de Repovoamento seja instalação de alta tecnologia, as portas e gavetas abrem com estrondo com mais decibéis do que as portas dos elevadores da minha infância (nasci na década de 1930). Um diálogo importante de Mãe-robô e Filha, em que a primeira descreve o projeto de repovoamento, é entrecortado com a presença de monstros de metal que fundem peças da Unidade com raios laser, fazem cilindros de aço rolar; tudo em meio a um barulho infernal, aos quais se agregam barulhenta trilha musical própria da categoria “filmes de ação”. Se as palavras fossem ditas pausadamente, este diálogo daria ao espectador a possibilidade de assimilar e meditar sobre o que de melhor pode ser extraído do filme. Os longos silêncios de “2001” ou de “Ex-machina” são muito mais efetivos e eloquentes.
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O sueco Nick Bostrom, professor de Filosofia na Universidade de Oxford, pensa que, em um dia não muito distante, as máquinas adquirirão capacidades próximas da consciência, e nosso futuro será determinado pelas preferências do que ele chama de superinteligência. Como os valores que as máquinas superinteligentes assimilarão serão os que forem especificados e programados pelos seres humanos, existe o risco, diz Bostrom, de especificar objetivos incompreensíveis, sem clareza, ou mesmo destrutivos que poderão prejudicar a espécie humana, por causa das decisões que a superinteligência poderá tomar.
“I am mother’ exemplifica o risco apontado por Bostrom. Ao longo de sua exibição vamos montando uma hipótese do que aconteceu anteriormente para chegar à situação em que o filme se desenvolve: algum ou alguns seres humanos criaram robôs superinteligentes, programados com valores de preservação do meio ambiente e atendimento a determinados preceitos morais e éticos. Esses robôs teriam a capacidade de reprodução, como Mãe-robô que é montada por robôs no começo do filme. A Unidade de Repovoamento, abriga 63 mil fetos para serem reproduzidos e educados por Mãe-robô que está interligada com todos os outros robôs. Portanto, qualquer um dos robôs pode ser Mãe-robô ao mesmo tempo.
Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec