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Leandro Karnal

Inácio no Conselho de Classe

O grande objetivo educacional é a independência intelectual e de atitude de cada pessoa

31 de Julho de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

 

Olá! Meu nome é Inácio e eu quero dizer aos colegas deste Conselho algumas coisas que aprendi. Podem ser úteis.

1) Nunca é tarde para começar. Eu já era adulto quando aprendi latim e um homem maduro quando fui estudar em Paris. Tomei decisões estratégicas na minha vida depois dos 35 anos. Sempre é tempo de estudar.

2) O desafio da educação é sair da norma burocrática e tornar cada valor algo pessoal. Quem educa deve encarar isso o tempo todo: como internalizar uma ideia para que surja uma experiência pessoal. Não basta decorar fórmulas: o aluno precisa entender o procedimento mental de cada área do conhecimento. Memória é fundamental e um atributo essencial do ser. Lembrem-se: memória é trampolim, a piscina está abaixo e implica nadar.

3) Aprendi que a concentração é fundamental. Se puder, prepare na noite anterior os pontos do estudo da manhã seguinte. Durma pensando neles. Acorde para a consciência deles. Viva o foco! Não é o muito saber que sacia e satisfaz a alma, mas o sentir e saborear internamente as coisas.

4) Não existe estudo sem atitude. Formação intelectual é nula, sem base ética. Notamos um estudioso se as ações pessoais começam a se transformar. Se for de outra maneira, será um erudito estéril. A educação formal e a informal têm por objeto formar um ser humano, mas não uma máquina de dados.

5) Disciplina é o que usamos quando falta entusiasmo. Quem funciona só pelo desejo imediato se assemelha a uma criança pequena. Crescer é saber que o que deve ser feito será nos momentos em que gostamos muito e nos momentos nos quais não estamos tão “inspirados”. Disciplina é fundamental, mas é meio, nunca fim. Horários e metas existem para produzir o conhecimento, mas não para louvar a ordem.

6) Educar envolve valores. A técnica muda, as circunstâncias históricas transformam-se e o meio é uma metamorfose incessante. Não se educa para uma técnica ou uma habilidade única. Educa-se para conservar valores centrais em meio a tantas coisas novas. Se o valor for bem trabalhado, não importará qual novo aparelho surja: o aluno estará pronto para se adaptar. O bom aluno pratica o discernimento em meio a coisas novas. A formação é para toda a vida e jamais para uma prova, uma avaliação, um processo seletivo.

7) Enquanto cada estudante não aprender a autorregulação, ele será infantil e despreparado. Autonomia, consciência, pensamento reflexivo e eleição daquilo que é o melhor, de acordo com os valores debatidos. O modelo de aluno é que ele não necessite mais dos professores e das normas. A escola é um estaleiro: quando o barco está apto, deve aventurar-se ao mar longe da segurança das docas. O grande objetivo educacional é a independência intelectual e de atitude de cada pessoa que passa pelo ambiente pedagógico.

8) Busca de excelência é fundamental. Ela deve ser a mola mestra das ações. A excelência é um projeto pessoal e do grupo educativo, não uma concorrência com o mundo externo. Se algo deve ser feito, necessitamos fazer bem. Se não demanda qualidade, nem deve ser realizado. Adotei uma expressão latina para me guiar: magis. Mais, melhor, além, avante. A perfeição está além do humano, a melhoria é uma luta diária. Melhor do que ontem, mais do que no ano passado, cada vez mais: Magis! Magis! Magis!

9) O estudo precisa ser sistemático e um processo. O que é adequado a cada idade? Como se pode exigir mais dos mais velhos? Quais os planos para subir cada degrau do conhecimento? Como os diferentes conhecimentos se articulam? Sem um plano, cada professor falará coisas distintas e os alunos perderão tempo e energia. Os alunos devem perceber unidade filosófica em todos os professores e devem reconhecer que, sim, cada ser humano é único e que cada área do conhecimento tem uma especificidade.

10) A vitória mais bela de todas é sobre si. Devemos sempre tratar todos da mesma maneira, sem fazer acepção de pessoas. Devemos vencer resistências pessoais que mostram nossos limites, egoísmos, medos e limitações. Aquele que estuda, de fato, torna-se livre e sai da vaidade do mundo. No entanto, caros colegas, nunca nos enganemos: a vitória é sobre si e implica dedicados exames de consciência.

Inácio falou com forte sotaque. Parecia espanhol para alguns. Um professor disse que era basco, talvez. Era calvo e tranquilo, com um porte que parecia denunciar formação militar. Um amigo assegurava que ele vinha de família aristocrática, porém sua humildade era notável. Tinha falado com inspiração, porque se dizia que o dia do conselho, 31 de julho, era uma data importante para ele. Cada coisa que ele disse poderia ser debatida e até contestada, todavia eram conselhos incontornáveis. Os mais antigos sabiam que ele já tinha fundado muitas escolas e que a influência dos princípios inacianos era crescente. Como eram metas elevadas e de longo prazo, perguntaram ao mestre Inácio se o mantenedor do projeto era sólido. Ele sorriu e disse que sim, que era poderoso, paciente e tinha todo o tempo do universo. Ele até poderia falar, o mantenedor continuaria buscando gente para a messe. Sorriu e levou a mão ao crucifixo que trazia ao peito. Eram tempos difíceis para a Educação, porém as metas de Inácio iam muito além do início do segundo semestre. Ele tinha esperança para a maior glória do mantenedor.

Leandro Karnal é historiador, escritor, membro da Academia Paulista de Letras e autor de “A coragem da esperança”, entre outros