Dom Julio Endi Akamine
Cristão
Assumir um nome pejorativo era uma forma de testemunhar que "o que para o mundo é loucura, Deus escolheu para envergonhar os sábios"
“Cristão” não é um nome criado pelos discípulos de Jesus. Ao contrário, foram assim chamados por outros. Antes do surgimento desse novo nome, os discípulos de Jesus se chamavam a si mesmos de “santos”. Deve-se notar, no entanto, que no grego original a palavra “santo” (aghios) tem conotações ligeiramente diferentes do que tem para nós hoje. O grego “santos”, no contexto da Igreja Primitiva, significava simplesmente “consagrados a Deus”. Além disso, o fato de essa palavra sempre aparecer no plural no Novo Testamento revela que a Igreja Primitiva se considerava uma comunidade de pessoas trabalhando e vivendo juntas a serviço de Deus.
Além do nome “santos”, no primeiro século, os cristãos eram conhecidos como “os do Caminho”. (cf. Atos 9.2; 24.13-16). Outros nomes usados para se autodesignar eram: “discípulos”, “irmãos”, “chamados” e “fiéis”.
Entretanto, At 11,26 nos dá conta de que “em Antioquia, os discípulos foram, pela primeira vez, chamados de cristãos”. Trata-se de uma novidade importante e significativa. Vejamos juntos no que consiste essa novidade.
Antioquia foi um lugar importante para a primeira literatura cristã. Na cidade foram escritos, provavelmente o Evangelho de Mateus e a Didaqué, escrito importante dos primeiros cristãos. Inácio de Antioquia, bispo da cidade, a cerca de 100 anos da morte de Cristo, escreveu as seis cartas às comunidades cristãs da época (Éfeso, Esmirna, Filadélfia, Magnésia, Roma e Trales) e uma a Policarpo. Foi nessa cidade que o grupo dos fiéis recebeu dos outros um nome que é todo um símbolo e um monumento. Provavelmente foi usado pela primeira vez pelos oficiais romanos com a intenção de distinguir os seguidores de Jesus dos judeus.
Também a forma como foi cunhado o nome é significativa. Primeiramente a palavra “Messias” (= Ungido), de conteúdo judaico, foi traduzida livremente para o grego com o particípio passivo Christós, que passou a designar não o título mas o nome próprio de Jesus; por fim, os romanos lhe acrescentaram um morfema latino de adjetivo que teve como resultado a nova palavra christianus (= cristãos”).
Dessa forma, o termo “christianus” parecia, de início, significar algo como “do partido de Jesus”. Não são poucos os estudiosos que afirmam que esse nome foi usado originalmente como forma de desdém ou de escárnio. Os discípulos de Jesus, porém, adotaram o apelido pejorativo como uma autodenominação, uma vez que “Deus escolheu o que para o mundo é sem importância e desprezado, o que não tem nenhuma serventia, para assim mostrar a inutilidade do que é considerado importante, para que ninguém possa gloriar-se diante dele” (1Cor 1,28-29).
Se, de fato, o nome “christianus” teve sentido depreciativo, o fato de os discípulos de Jesus terem assumido tal denominação revela a consciência que eles tinham de que seguiam Cristo crucificado. Assumir um nome pejorativo era uma forma de testemunhar que “o que para o mundo é loucura, Deus escolheu para envergonhar os sábios; e o que para o mundo é fraqueza, Deus o escolheu para envergonhar o que é forte” (1Cor 1,27).
Dessa maneira, o termo “christianus” paradoxalmente se tornou, ao mesmo tempo, um distintivo de honra para a Igreja Primitiva. O historiador Eusébio (séc. IV a.C.), falando de um certo mártir da Igreja, cujo nome era Sanctus, relata que aos seus torturadores, quando eles o provocavam ou o indagavam, ele simplesmente respondia: “Eu sou cristão!”.
Observemos também que o nome “christianus” continua tendo em muitas partes do mundo um significado ignominioso. De fato, muitos são os discípulos de Jesus que são discriminados exatamente porque cristãos. Dados estatísticos revelam que hoje 360 milhões de cristãos são perseguidos por causa de sua fé. Isso significa que um em cada sete cristãos sofre perseguição atualmente.
Em qualquer situação ou lugar, é importante que os cristãos tenham plena consciência de que no próprio nome está presente o mistério da cruz de Cristo. Carregar o nome “cristão” foi e sempre será uma graça exigente e arriscada. De fato, “quem se gloria, no Senhor se glorie”.
(Com a colaboração de Pe. Wagner L. Ruivo)
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba