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Nelson Fonseca Neto

Admirável chip novo

01 de Julho de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Eu estava na sala de espera. Sabia que ficaria ali por aproximadamente uma hora. Apenas eu na sala. Opções para passar o tempo: ler algumas páginas do livro que estava comigo ou mexer no celular. Sem querer bancar o pedante: eu ia abrir o livro. Então lembrei que precisava trocar o chip do celular.

A história do chip do celular começara dias antes. Raramente atendo chamadas de telemarketing. Não me considero um sujeito grosseiro. Bem que tentei, muito tempo atrás, tornar menos árida a vida do pessoal do outro lada da linha. Só que eu atendia e ninguém respondia. Três, quatro segundos depois, a chamada era encerrada.

Malandramente, passei a ignorar as chamadas de telemarketing. Não é difícil. Para profunda irritação das pessoas mais próximas, meu telefone celular sempre fica no mudo. Perdi a conta das vezes em que fui admoestado por amigos e familiares.

Não sei o que deu em mim, dias atrás, quando resolvi atender a chamada da, digamos, Empresa X. Calhou de eu estar olhando para a tela na hora da ligação. Do contrário, aquilo cairia na vala das chamadas perdidas. A Empresa X é responsável pelos serviços de TV a cabo, internet e telefone fixo aqui em casa. Há um bom tempo venho achando a conta salgada. Minha incurável preguiça fez com que eu adiasse o processo de negociação com a Empresa X. Se eu fosse mais diligente, tentaria beliscar um desconto. Muita gente faz isso e dá certo. Ainda bem que o pessoal da Empresa X é menos preguiçoso do que eu e fica me infernizando umas cinco vezes por dia.

A atendente da Empresa X queria mostrar uma oferta: se eu mudasse a minha linha de telefone celular até então, responsabilidade da Empresa Y para a Empresa X, a conta, somando TV a cabo, internet, telefone fixo e telefone celular, ficaria muito menor do que a atual. Quase metade do valor. Como sou um otimista de carteirinha, fiquei todo alegrinho. Mas eu não podia dar bandeira. Fiz umas perguntas capciosas, que mostravam toda minha frieza de negociador. Não havia pegadinhas. A oferta era aquilo mesmo. Pensei: como assim? O que leva uma empresa a baixar dramaticamente suas tarifas? Bondade? Empatia? Misericórdia? Arrependimento? Não. Apenas o bom e velho desespero.

Topei a oferta da moça da Empresa X. Em questão de poucos dias, um chip novo de celular chegaria. Bastaria, no dia 22/06, tirar o chip antigo e instalar o chip novo e aproveitar os deslumbrantes serviços da Empresa X. O chip chegou. Claro que eu deixei passar o dia certo da troca do chip. Na prática, significou o seguinte: a partir do dia 23/06, a operadora antiga deixaria de prestar seus serviços. Ou seja, no dia 23/06 meu celular não servia para nada.

Dia 23/06 foi o dia em que eu estava na sala de espera. Por sorte, eu estava com o envelopinho contendo o chip novo no bolso da calça. Assim, larguei o livro e resolvi trocar o chip. Eu nunca tinha feito uma coisa dessas antes. Vai ver alguma fada (vulgo “Patrícia”) sempre fez isso por mim. Eu ouço as pessoas falando em trocar o chip do celular como se fosse a coisa mais prosaica deste mundo. E eu caí nessa conversa fiada.

Primeira dificuldade: encontrar o chip antigo no celular. Fica numa portinha minúscula. Tentei apertar a tal portinha e nada. Peguei um ferrinho, pressionei um buraquinho e ela abriu. Tirei o chip velho. Tempo para isso acontecer: uns dez minutos. Foi a parte fácil da jornada. Abri o envelopinho com o chip novo. Tentei encaixar o chip novo na portinha do celular. Fracasso. Nessas horas, eu gostaria de ser menos intelectual e ser mais prático. Ter menos livros e mais ferramentas. Saber usar uma furadeira. Sair consertando as coisas aqui de casa. Saber onde fica o registro. Não entrar amedrontado nas lojas de material elétrico na Padre Luiz. Essas coisas.

Foi uma coisa horrível na sala de espera. Levei quase uma hora para trocar um chip de celular. Sorte que eu estava sozinho. No fim, deu certo. O celular voltou a funcionar. A internet voando. Abri um site de notícia e vi que a Kim Kardashian não danificou o vestido da Marilyn Monroe. E assim terminou a jornada épica do guerreiro urbano.

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