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Nildo Benedetti

Filmes da Netflix: ‘1922’ (parte 4 de 5)

24 de Junho de 2022 às 00:01
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Henry (Dylan Schmid) e Shanon (Kaitlyn Bernard) são vítimas ingênuas das artimanhas de Wilf.
Henry (Dylan Schmid) e Shanon (Kaitlyn Bernard) são vítimas ingênuas das artimanhas de Wilf. (Crédito: DIVULGAÇÃO)

Na semana passada comecei a tratar de aspectos cristãos de “1922” e procurei responder à pergunta: qual o pecado cometido por Wilf ao levar o filho a ajudá-lo a matar a mãe?

Wilf induz o filho a cometer matricídio, o que já é uma forma de fazê-lo descumprir não só o quinto, mas também o quarto Mandamento, o de honrar pai e mãe. E leva Henry a cometer o pecado do suicídio.

É geralmente aceito que o Mandamento “Não matarás” significa que não devemos matar aos outros ou a nós mesmos. Tomás de Aquino afirmou categoricamente que o suicídio, como forma de homicídio, “é um pecado mortal, não apenas porque é contrário à justiça, mas também porque vai contra a caridade e a lei natural”, pois a vida é um dom divino feito ao homem e dependente do poder de Deus, que mata e faz viver. Logo, quem se priva a si mesmo, da vida, peca contra Deus, porque só a Deus pertence julgar da morte e da vida.

Dante Alighieri compartilhava dessa mesma visão. Em sua obra-prima, “A Divina Comédia”, reserva um lugar no inferno para todos os que houvessem cometido suicídio. No canto 13 do sétimo círculo do Inferno, Dante coloca os suicidas numa posição mais próxima de Lúcifer do que os assassinos e representou metaforicamente o desespero das almas dos suicidas transformando-as em árvores retorcidas cujas folhas escuras alimentam as harpias, monstros mitológicos.

Contudo, a despeito do mal que o pai lhe fez, arruinando sua vida, Henry escreve a Wilf dizendo que o ama, “mesmo sem saber por que, já que tudo o que fizemos só me trouxe tristeza”. É vítima do ardil de um pai rancoroso, mas se mantém até o fim como um menino afetivo, cheio de remorsos. Penso que o leitor cristão pensa ou deseja que, diante de Deus, ele seja perdoado.

*

Outra pergunta: Wilf se arrependeu de seus atos?

O sacrifício e o arrependimento de alguma ação praticada por alguém são também tratados por Barclay sob o ponto de vista cristão. Escreve esse autor que a ideia do sacrifício é simples: se alguém comete uma ação má, também perturba sua relação com Deus e o sacrifício tem como intenção restabelecer a normalidade desta relação. Mas nunca se sustentou que os sacrifícios pudessem expiar os pecados cometidos deliberadamente. Se alguém comete algum pecado sem se dar conta, se é arrastado ao pecado em um momento de paixão, perdendo seu domínio próprio, o sacrifício pode alcançar resultados positivos; mas se alguém comete um pecado de maneira deliberada, perfeitamente consciente do seu ato, o sacrifício não pode expiar sua falta. Para que o sacrifício seja eficaz, deve incluir a confissão do pecado e um verdadeiro arrependimento; e o verdadeiro arrependimento inclui, por sua vez, o propósito de retificar as consequências que o pecado produziu.

Em nenhum momento, Wilf mostra arrependimento pelo assassínio de Arlette. Acha que fez o que deveria ser feito, que não tinha escolha para manter suas terras. Chega a criticar o filho por seus escrúpulos: “Esperar que um adolescente tome juízo é como esperar que um cabo de vassoura dê flores”. Mas é assolado pelo remorso de ter transformado a vida de Henry no ano 1922: da primavera - quando brotam as flores e em que brotou o amor juvenil arrebatador por Shannon - ao inverno, no final de dezembro, quando o filho viveu o infortúnio que o levou ao suicídio.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

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