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Vanderlei Testa

Guerino Sabadin fez história na Vila Santana

Na parede da sala, os diplomas conquistados pelo Guerino na EFS ilustram os seus 30 anos de serviços prestados com mérito na ferrovia

21 de Junho de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: ÁLBUM DE FAMÍLIA / ARTE: VT)

 

As pessoas que passam pela rua Guerino Sabadin, no jardim Reserva Ipanema, talvez não saibam quem foi o homenageado com denominação essa via pública. Conheci o Guerino nas oficinas da Estrada de Ferro Sorocabana. Ele foi um dos personagens da ferrovia que deixou a sua presença na história e memória da cidade. Mais de quatro mil ferroviários trabalhavam na época das atividades do Guerino em meio às locomotivas e vagões em manutenção no maior parque da EFS do Estado de São Paulo. Ele era uma liderança na sua comunidade da Vila Santana e, em especial, na paróquia de Santa Rita de Cássia. Com a sua esposa Narcisa formou uma família com cinco filhos.

Com foco na educação e formação escolar a cada um dos seus familiares, Guerino se desdobrava para trabalhar diuturnamente em várias funções, além da ferrovia, onde chegou ao alto cargo de mestre geral das oficinas. Para reforçar o salário com horas extras, ficava até altas horas no chamado “serão”. Depois de enfrentar muitos dias das sete da manhã às 22 horas nas oficinas, ainda chegava a sua casa e enfrentava outro desafio. Nas noites e madrugadas, conta o seu filho Odival Sabadin, o pai fazia cortes de couro e produzia sapatos a ponto legítimo. As suas encomendas eram sapatos sob medida. O seu capricho e perfeccionismo vinha da sua determinação em oferecer a melhor qualidade artesanal aos clientes.

Para aprender a profissão de sapateiro, Guerino trabalhou na sapataria Menttoni, na rua da Penha. Na sua busca constante de aprender tudo sobre sapataria, exerceu também suas aptidões no manuseio do couro na oficina do Nelson Nolé, um dos mais conceituados profissionais do Brasil em botas ortopédicas e produtos para pessoas com necessidades especiais. Agindo como se tudo isso ainda fossem degraus de uma escada de aprendizado, Guerino Sabadin queria mais. Na sua energia de brasileiro trabalhador, foi vocacionado a criar a família com estudos. Colaborou com o seu amigo e empresário Edson, na loja de calçados da rua doutor Braguinha.

Hoje, na casa onde Guerino viveu mais de 80 anos -- na rua Borba Gato, 115 -- há um verdadeiro museu organizado por seus filhos. As lembranças de trabalho da exemplar vida que teve em mais de 70 anos de serviços fazem parte do acervo. No café com bolo das tardes de sábado, reunindo os filhos Odival Sabadin, Norma Sabbadin Mendes, Neire Sabbadin Clarin Pereira, Nilza Sabadin Segamarchi e Osvaldir Sabadin, há uma certeza: o amor da família pelos pais. É louvável o carinho com que eles guardam as relíquias do pai e da mãe. Na sala museu, eu vi o último macacão que ele usou na oficina da Estrada de Ferro Sorocaba. Objetos em madeira que ele esculpia, como pássaros, instrumentos musicais -- violão e cavaquinho -- e móveis, estão preservados em cada cômodo. Chama a atenção os utensílios recebidos por Narcisa e Guerino em sua trajetória de vida conjugal, como cristais, vasos e uma infinidade de itens guardados nas prateleiras da cristaleira. Na parede da sala, os diplomas conquistados pelo Guerino na EFS ilustram os seus 30 anos de serviços prestados com mérito na ferrovia. Na sapataria do Guerino, localizada em um quarto onde ele exercia a sua profissão nas horas vagas, os filhos mantêm as ferramentas em gavetas. Há torno elétrico onde ele lixava e polia os sapatos, pé de ferro para consertos de botas e colocação de saltos, máquina de costura e apetrechos dos mais variados. A caderneta de anotações com os nomes dos clientes e valores contabilizados em cada serviço executado nos remete a uma lista de personagens históricos do bairro Além Linha. Páginas com nome e valores, chamam a atenção em 1981, como por exemplo, o Rogério Gonçalves.

Quando recebi o convite para visitar o museu da família Sabadin sabia que encontraria uma riqueza histórica de Sorocaba. Estaria voltando ao tempo nas minhas lembranças da juventude do Curso Ferroviário, quando conheci o Guerino atuando na ferrovia. O meu pai também era ferroviário e seu amigo. Com 95 anos de idade e três décadas de ferrovia, Guerino ao lado da esposa, Narcisa, concedeu uma entrevista ao jornal Cruzeiro do Sul, como o mais antigo ferroviário da cidade. No acervo, está a página do jornal com a foto e a história eternizada, segundo o filho Odival, que mantém as relíquias preservadas e cuidadas diariamente na casa dos pais. Ele organiza cada peça da história da família Sabadin como eu presenciei no quintal, onde há um apito da locomotiva Maria Fumaça e um sino. Objetos de carpintaria ensinados pelo pai, como gaiolas, mesas, cadeiras, continuam a ser produzidas pelo Odival para manter a tradição da família.

Guerino Sabadin nasceu em Jumirim e se mudou para Tietê com três anos de idade. Depois, os seus pais escolheram Sorocaba como cidade para viverem. O pai nasceu em 1915 e a mãe em 1918. Jovem, Guerino namorou durante quatro anos a Narcisa Batista Cepellos. O casamento, realizado em 1940 na Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Ponte, dava início a uma vida conjugal que perdurou por 72 anos. O amor do casal era tanto que em 2012, 50 dias após o falecimento da esposa, o Guerino partiu ao encontro dela no paraíso com os seus 97 anos. O filho Odival me contou os detalhes dos momentos finais dos pais na casa da rua Borba Gato, manifestados com a despedida de três beijos do pai na mãe. Esse testemunho o levou a escrever uma mensagem que está no jazigo dos pais e que resumo em algumas das palavras ali relatadas: “Aos meus saudosos pais, Narciza e Guerino, meu muito obrigado, minhas infinitas saudades e eterno amor. Que Deus os abençoe sempre e sua resplandecente luz ilumine seus novos caminhos. Descansem na paz do Senhor”. “Nossos pais foram maravilhosos”, afirmam os cinco filhos do casal.

Vanderlei Testa ([email protected]), jornalista e publicitário, escreve às terças-feiras no jornal Cruzeiro do Sul