Buscar no Cruzeiro

Buscar

Nildo Benedetti

Filmes da Netflix: ‘1922’ (parte 3 de 5)

17 de Junho de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Wilf comete pecado grave quando induz o filho adolescente a cometer matricídio.
Wilf comete pecado grave quando induz o filho adolescente a cometer matricídio. (Crédito: DIVULGAÇÃO)

Ao lado da sugestão aos dramas de Shakespeare citados na semana passada, o filme como o livro, contém muitas referências ao cristianismo e, portanto, abre possibilidades interpretativas de interesse do espectador cristão.

Wilf comete pecados capitais como ira, inveja, soberba. Até aí ele se comporta como todos nós, incorrigíveis transgressores dos preceitos cristãos. Mas, o assassinato de Arlette provoca uma série de desdobramentos no campo religioso e é disso que tratarei a seguir. Baseei-me em autores de incontestável conhecimento do cristianismo e não emito qualquer crença pessoal. O leitor, baseado em outros autores igualmente qualificados, poderá contestar o que escreverei a seguir.

Wilf leva Henry a infringir o quinto mandamento. Sob o ponto de vista legal, ele é responsável pelos atos do filho. Mas, um cristão poderia perguntar: qual o pecado cometido por Wilf ao levar à desgraça o inocente Henry?

Nos livros “Comentário do Novo Testamento” e em “Palavras chaves do Novo Testamento”, William Barclay, analisa uma passagem bíblica que foi extraída por mim da Bíblia de Jerusalém em Lucas, 17:1 -2:

17- O escândalo -- 1. Depois, disse a seus discípulos: “É inevitável que haja escândalos, mas ai daquele que os causar! 2. Melhor lhe fora ser lançado ao mar com uma pedra de moinho enfiada no pescoço do que escandalizar um só destes pequeninos.

Barclay pesquisa, com grande erudição, o termo “escândalo”. Afirma que vem do grego clássico skandalëthron, que significa “a vareta com isca na armadilha”. Era uma vareta em que se fixava uma isca (por exemplo, um peixe) e quando o animal a ser caçado tocava ou pisava na vareta, esta acionava um mecanismo e o animal ficava preso ou era morto. Desse termo do grego clássico se originou skandalon, literalmente “escândalo”, que manteve o significado do grego clássico e adicionou um outro, o de qualquer obstáculo no caminho do homem que o fizesse cair. A palavra tem, portanto, dois significados, segundo Barclay: “pedra de tropeço” objeto colocado no caminho de alguém para fazê-lo tropeçar e “uma armadilha”, “uma isca”, “um engodo” para atraí-lo para fora de seu caminho e assim arruiná-lo. Nessa passagem de Lucas, continua Barclay na sua interpretação, “Jesus diz que era impossível construir um mundo sem tentações, mas ai do homem que ensine outro a pecar ou que lhe tire sua inocência”.

A aplicação desses conceitos apresentados por Barclay possibilita ter ideia da gravidade do pecado cometido por Wilf contra o inocente Henry. A canalhice empregada pelo pai para persuadir o filho a ajudá-lo pode ser resumida em algumas passagens do filme: A primeira, “naquela primavera, Henry se apaixonou pela vizinha, a filha dos Cotterie (...) O homem calculista pensou que poderia usar isso em seu benefício”. Outra, quando Henry mostra preocupação pelo fato de a mãe não ter tempo de se arrepender e, morrendo em pecado, ir para o inferno. Wilf responde: “Bem, um homem ou uma mulher assassinados morrem não pela vontade de Deus, mas pela vontade do homem. E se ela partir antes de pagar pelos seus pecados, todos os erros devem ser perdoados”; e Henry pergunta: “Mas e quanto a nós, pai? Não iríamos para o inferno?” e o pai responde que o inferno é onde o filho será precipitado se passar a viver na cidade.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

[email protected]