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Nildo Benedetti

Filmes da Netflix: ‘1922’ (parte 2 de 5)

10 de Junho de 2022 às 00:01
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Johann Heinrich Füssli (Suíça 1741-1825) pintou o aterrorizado Macbeth após matar o rei Duncan, estimulado pela ambiciosa esposa.
Johann Heinrich Füssli (Suíça 1741-1825) pintou o aterrorizado Macbeth após matar o rei Duncan, estimulado pela ambiciosa esposa. (Crédito: Divulgação)

1. William Shakespeare e o livro “1922”, de Stephen King
Várias passagens do livro de King fazem referências a obras de William Shakespeare. Uma delas é a citação explícita de uma mulher que se refere aos fatos envolvendo Henry e Shannon como sendo de uma tragédia de Shakespeare, certamente se referindo a “Romeu e Julieta”.

Algumas menções diretas do livro podem ser relacionadas à tragédia de “Macbeth”, do mesmo Shakespeare e citarei apenas algumas. Antes, porém, lembrarei o leitor: a peça teatral “Macbeth” se desenrola na Escócia. Três bruxas profetizam que Macbeth se tornará barão e depois rei. O primeiro vaticínio se realiza e Macbeth começa alimentar a vontade de se tornar rei, mas hesita. Incitado pela ambiciosa esposa, ele assassina o rei Duncan e assume seu posto. No decorrer da obra, Lady Macbeth é tomada pela culpa e se suicida, enquanto o marido vai se tornando cada vez mais insensível e passa a cometer assassinatos seguidamente.

No livro de King, Wilf diz a Henry: “O que está feito está feito e não pode ser desfeito”. No original inglês, “Done is done and can’t be undone”. Esta frase é quase literalmente pronunciada por Lady Macbeth ao marido cheio de remorsos pelo assassinato do rei Duncan: “What’s done cannot be undone”. Em outra passagem, Lady Macbeth afirma: “Quem imaginaria que o velho tivesse tanto sangue nele? (Yet who would have thought the old man to have had so much blood in him?” e Henry diz ao pai no livro: “Se eu soubesse quanto sangue minha mãe tinha...”
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2. William Shakespeare e o filme “1922”, de Zak Hilditch
Boa parte da adaptação de Zak Hilditch para o cinema segue quase literalmente a obra “1922”, de Stephen King. Contudo, como vimos na semana passada, não é essa “fidelidade” ao texto que dá mérito ao filme. O que realmente importa é a atmosfera shakespereana que o filme transmite.

Alguns fatos podem ser observados em “Macbeth” que se aplicam à interpretação do filme. Wilf e Hanry ora assumem o papel de Macbeth ora o de Lady Macbeth. Wilf, como Lady Macbeth, leva o filho a compartilhar de um homicídio que ele não quer executar. Mas as artimanhas do pai, de colocar a mãe como obstáculo à realização do amor de Henry por Shannon, acabam convencendo o menino. Shannon engravida, acaba sendo enviada para um lar de freiras, Henry a resgata e os dois se tornam delinquentes juvenis, até que ela é morta num assalto e ele se suicida. O sentimento de culpa que ele carrega por sua contribuição no assassinato da mãe fá-lo entrar em um mundo em que o destino certo é a morte a curto prazo; é uma forma de suicídio pelo remorso, que também move Lady Mcbeth à autodestruição.

O drama de consciência vivido por Henry se assemelha ao de Macbeth no início dos acontecimentos da obra de Shakespeare. Mcbeth ambiciona se tornar rei e, ao mesmo tempo, a lealdade que deve a Duncan e as virtudes deste faz que hesite na realização do homicídio. Mas acaba cedendo às manobras da esposa. Henry, como Macbeth, não quer compactuar do crime do pai, mas acaba cedendo às suas infames manobras. A frase “quem imaginaria que o velho tivesse tanto sangue nele?” foram substituídas no filme por cenas em que Wilf e Henry ficam limpando sangue de Arlette que aparece em várias ocasiões.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

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