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Dra. Cibele

E os termômetros de Sorocaba marcaram miseráveis 6 graus

O efeito estufa perturba as correntes atmosféricas, o que leva a uma tendência de intensificar alguns eventos, sejam eles ondas extremas de calor ou de frio

04 de Junho de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Dra. Cibele Saad Rodrigues.
Dra. Cibele Saad Rodrigues. (Crédito: Divulgação)

Dra. Cibele Saad Rodrigues

Estamos passando um frio danado, fora de hora e de lugar. Os casacos saíram precocemente dos armários (será que alguém ainda usa naftalina?) e tivemos até um miniciclone em Boituva, com queda de balão, que pegou um morrinho artilheiro e fez um triste strike com as pessoas que estavam tentando se divertir num passeio tradicional de nossa região.

As alterações climáticas são uma realidade no mundo todo e, desde meados de maio, o Brasil vive um verdadeiro castigo, com geadas que acabaram com nossas plantações nos locais serranos, neve caindo na região Sul -- que faz a festa dos turistas de um país tropical --, tudo em consequência de uma onda de frio, incomum para essa época de outono no Brasil.

Quando se ouve que temperaturas de 10 graus serão vistas em Cuiabá e Campo Grande em maio, no mínimo, devemos procurar as causas dessa desfaçatez do tempo. Como ele (o tempo) ousa desafiar o clima e as estações do ano? Que exibido!

Ligo a TV à procura de explicações e ouço: “Um frio desses e os cientistas insistem que há aquecimento global?”. Reflexivamente, penso: “Como podem as autoridades, com direito a falar para o povo, serem cegas? Não podiam ser mudas, para não termos que ouvir uma coisa infeliz como essa?”.

Leio o que dizem meus colegas cientistas da área climática, que afirmam que o aquecimento do planeta (efeito estufa) perturba as correntes atmosféricas, o que leva a uma tendência de intensificar alguns eventos, sejam eles ondas extremas de calor ou de frio.

Enquanto no hemisfério sul vivemos dias atípicos de frio, no norte da Rússia (sim, na Sibéria) e na China, os moradores sofrem com uma onda de calor jamais vista na história, cerca de 10 graus acima da média de anos anteriores. O degelo nas calotas polares é anunciado e medido, a despeito da incredulidade de governos, que veem os níveis dos oceanos crescerem e aparecer o desequilíbrio ecológico de algumas espécies que habitam os mares e oceanos. E há quem diga que nada disso seja verdade -- até mesmo alguns cientistas --, mas o planeta Terra, único onde se encontrou vida humana até o momento, está cerca de 1 grau mais quente do que na era pré-industrial, ocasião em que o homem não poluía tanto a atmosfera, não devastava florestas ou fazia queimadas e a ganância não chegava nem perto dos absurdos que conduzem ao uso de combustíveis fósseis.

A participação do ser humano nesse processo é cabal e isso pode ser revertido ou, pelo menos, controlado com práticas sustentáveis. Quem não gosta da industrialização e dos bens de consumo que ela trouxe? Porém, precisa ser de uma forma desenfreada e a qualquer custo?

Ser cético em relação ao clima é um direito democrático das pessoas que habitam esse mundo, e ninguém está aqui defendendo que a industrialização é sempre perigosa e criminosa, mas como esquecer que nossos netos e as futuras gerações estarão aqui e não poderão mudar de planeta?

Quem não é da área das ciências e nem financeira certamente já ouviu falar de El Niño e La Niña, fenômenos climáticos aos quais já nos acostumamos. Cada ano mais violentos, deixando rastros de destruição, vão e voltam de nossas vidas. Será que levarão nossos niños e niñas?

Agora que virei avó, essa realidade do futuro ficou ainda mais palpável e fico me perguntando, diariamente, como proteger minha neta dessa insensibilidade de pessoas e governos que podem mudar esse panorama, mas estão mais ocupados tentando se reeleger, custe o que custar.

Enfim, logo mais teremos o direito de exercer de forma cidadã o direito ao voto. Uma das coisas que certamente vou prestar atenção, na hora de ir às urnas, é quem são os deputados e senadores que acreditam que é importante cuidar da nossa saúde com menos poluição, que olham para as alterações climáticas e nelas creem e que abrem a boca para falar de forma ponderada sobre política externa, que cuidem do nosso Brasil e de nosso planeta -- este mesmo, onde quero que minha netinha possa criar seus filhos e netos com qualidade.

Dra. Cibele Saad Rodrigues é médica e professora titular do Departamento de Clínica e da pós-graduação da FCMS/PUC-SP, coordenadora acadêmica do Hospital Santa Lucinda, mestre e doutora pela Unifesp