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Nildo Benedetti

Filmes da Netflix: ‘1922’ (parte 1 de 5)

03 de Junho de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
O escritor Stephen King teve várias obras convertidas para o cinema.
O escritor Stephen King teve várias obras convertidas para o cinema. (Crédito: DIVULGAÇÃO)

 

“1922” é a adaptação de um conto de Stephen King, um escritor estadunidense de terror, suspense, ficção sobrenatural, ficção científica. O conto “1922” é o primeiro dos quatro que compõem o livro “Escuridão total sem estrelas”. Alerto o leitor de que, para escrever adequadamente sobre este filme, terei que dar spoilers, ou seja, fazer revelações que podem estragar as surpresas.

A parte essencial do filme, que determina todos os acontecimentos posteriores, se passa no ano de 1922, em uma fazenda em Hemingford Home, Nebraska. A fazenda é habitada por Wilfred James com sua esposa Arlette e seu filho de 14 anos, Henry. Wilf possui um lote de 80 acres e sua esposa Arlette herdou de seu falecido pai um terreno de 100 acres, adjacente ao de Will.

Ela planeja vender sua parte da terra à empresa de criação de porcos dos Ferrington, odiados por Wilf, mudar-se para a cidade e abrir uma loja de roupas, porque não suporta a vida na fazenda. Wilf não concorda com o plano e aspira a continuar sua atividade como fazendeiro. Com astúcia convence o filho Henry a não acompanhar a mãe para a cidade, a ficar com ele na fazenda e a ajudá-lo a assassinar a mulher.

O filme, como o livro, é contado em flashback em 1930 como uma carta de confissão de Wilf cobrindo o ano fatídico de 1922 e fazendo menções aos oito seguintes. É redigida em um quarto de hotel na cidade de Omaha, a cidade que ele detestava e que Arlette tanto amava. Creio que o diretor do filme, o australiano Zak Hilditch, conseguiu captar a sugestão de King: “Se você vai entrar em um lugar muito escuro e sombrio como a casa de Wilf James (...) você deveria levar uma luz bem forte e iluminar tudo em volta”. A metáfora da iluminação do ambiente incita o espectador a buscar as reações das pessoas comuns, como Wilf, sua esposa Arlette e seu filho Henry, diante de situações em que são levadas a praticarem atos que fazem pensar, mais uma vez, sobre a natureza humana. De fato, em certo momento do filme, Wilf diz que “eu acho que há outro homem dentro de cada homem um estranho, um homem calculista”. Nossa tarefa aqui é propor a interpretação de um filme. Contudo, a leitura do livro que serviu de inspiração ao filme pode nos auxiliar no cumprimento dessa tarefa.

As artes como a literatura e o cinema - são identificadas como forma de acesso à verdade da condição humana. Uma vez que um romance gera inúmeras interpretações, essa verdade não é fixada definitivamente. De acordo com suas experiências pessoais, sensibilidade e repertório de conhecimentos, o leitor considerará algumas dessas interpretações melhores do que outras ou formulará a própria leitura. Como qualquer leitor, o roteirista (responsável pelos diálogos do filme) e o diretor do filme (que às vezes escreve também o roteiro) procuram transferir para o filme aquilo que interpretaram como sendo a verdade contida no livro. Servemse, para tanto, da linguagem falada e de recursos técnicos próprios do cinema e indisponíveis ao romancista: música, efeitos sonoros, imagens fotográficas em movimento, cenários, figurinos e outros. A versão de um romance para o cinema será bem sucedida na medida que ela ilumina a verdade contida no livro, independentemente de quanto o texto original ou a história tiverem sido modificados no roteiro.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

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