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Cibele Saad Rodrigues

Não se deixe enganar!

11 de Maio de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Profª. drª. Cibele Saad Rodrigues.
Profª. drª. Cibele Saad Rodrigues. (Crédito: Divulgação)

Profª. drª. Cibele Saad Rodrigues

Abro meu WhatsApp pela manhã e me deparo com um orçamento realizado para um paciente em uma clínica de São Paulo, situada em uma das avenidas mais badaladas da cidade.

Nele posso observar valores de consulta e de procedimentos, muitos deles sem comprovação científica de eficácia ou que estejam aprovados pelos órgãos reguladores da Medicina, visando fazer um detox no organismo para que ele possa funcionar melhor.

Um deles é o enema de café, que é realizado por meio da introdução de uma solução de café orgânico no intestino utilizando uma sonda que penetra pelo ânus e fica localizada no reto. Segundo quem a pratica, essa solução ajuda na limpeza de materiais fecais e melhora a constipação. Alegam que esse procedimento é capaz de eliminar bactérias, fungos, metais pesados, mas não contam como isso ocorrerá no minuto seguinte em que a pessoa comer e eliminar fezes.

Outro procedimento cotado, numa longa lista de possibilidades, foi o ozônio retal. Aparentemente um de nossos orifícios de saída tem sido escolhido para ser a porta de entrada.Trata-se de um gás natural, que traria basicamente os mesmos benefícios do enema de café. Nesse caso, coloca-se um cateter por via retal e insufla-se ozônio no intestino e esse mesmo processo pode ser utilizado para “soprar” esse gás em outras cavidades como nariz, boca e até na vagina.

Na sequência, observo que é possível fazer também um detox eletromagnético para eliminação de metais pesados como chumbo, mercúrio e alumínio entre outros. Os eletrodos, como aqueles que se utiliza para fazer eletrocardiograma, são colocados nas mãos e nos pés, em pontos que coincidem com os da acupuntura, deste modo emitem ondas eletromagnéticas invertidas, que por sua vez, eliminam esses metais do organismo. Há ainda outros tipos de detox, como o iônico, que consiste em colocar os pés em uma bacia com água, sal marinho, ervas e eletrodos; e ainda, mais atualmente, foi lançada a sauna de infravermelho, coqueluche do momento, eliminando sete vezes mais metais pesados do que a sauna convencional.

Mas, a lista continua, com chip de testosterona, o principal hormônio masculino.

Na verdade, é realizado um implante subcutâneo de pequenos comprimidos (pellets) de testosterona e não um chip propriamente dito. A reposição hormonal está corretamente indicada quando o homem tem níveis baixos do hormônio comprovados por exames laboratoriais e não é a primeira opção, pois embora mais cômodo e com duração de ação entre 4 e 6 meses, é caro, pode ocorrer extrusão dos pellets e mesmo infecção no local do implante em alguns casos.

Na mesma linha, estão os implantes de gestrinona. No site da Febrasgo, órgão nacional que reúne ginecologistas e obstetras, foi publicado um posicionamento recente (setembro de 2021) afirmando que “não há dados suficientes na literatura médica a respeito da eficácia e segurança de implantes hormonais, muitas vezes chamados de chips, com os mais diversos conteúdos hormonais...”

Paga-se só pela consulta um valor entre R$ 1.500,00 a R$ 2.000,00 e leva-se um orçamento que pode chegar na casa de R$ 30.000,00, o que é para poucos e para crédulos, que caem no canto da sereia de poder conseguir um corpo melhor e mais belo às custas de coisas que não têm qualquer comprovação baseada em evidências científicas.

Penso que o papel de médicos sérios, além de assistir aos que necessitam, é educar a população sobre temas polêmicos como esse. É velho o ditado que diz que “quando a esmola é demais o santo desconfia”. A imprensa, nesse e em outros casos tem papel fundamental, pontuando diferentes versões, respeitando o contraditório e deixando aos leitores a sentença esclarecida sobre o que é verdade e o que é falso. Meu desejo aqui é de alertar para os perigos desses tratamentos que não substituem aqueles comprovados; que trazem esperança onde ela não existe e lembrar que temos órgãos construídos para nos desintoxicar das impurezas, especialmente o fígado, os intestinos e os rins. E cuidar deles, com medidas simples como dieta adequada (não a detox...), fazer atividade física regular, manter-se hidratado, com peso corporal normal, não fumar, não beber excessivamente são maneiras preciosas para que funcionem bem e eliminem toxinas.

Finalmente, o recado é: não se deixe enganar! Observe bem onde pisa e seja prudente, saudável e feliz porque maracutaias não pararão o tempo e nem te trarão uma desintoxicação que seus próprios órgãos não possam fazê-la!

Profª. drª. Cibele Saad Rodrigues, professora titular do Departamento de Clínica e da pós-graduação da FCMS/PUC-SP, coordenadora acadêmica do Hospital Santa Lucinda, mestre e doutora pela Unifesp