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Dom Julio Endi Akamine

A importância de Tomé

Não devemos nos assustar se encontramos dificuldades em nossa própria fé. Elas podem nos resgatar de uma fé superficial que se contenta em repetir fórmulas

01 de Maio de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Dom Júlio Endi Akamine.
Dom Júlio Endi Akamine. (Crédito: Manuel Garcia (11/7/2019))

 

Tomé estava ausente, quando Jesus apareceu ressuscitado aos discípulos. Logo que puderam, lhe comunicaram o que tinha acontecido. “Vimos o Senhor!” Os discípulos, porém, receberam a ducha fria da sua incredulidade. “Como acreditar nesse absurdo? Jesus cheio de vida? Devia ter sido uma outra pessoa”.

Os discípulos retrucaram que era o próprio Jesus: tinham visto as marcas dos pregos e o seu lado aberto; não era um outro parecido; era o próprio Jesus! Diante desse testemunho, Tomé exige ver ele mesmo as marcas da crucifixão. Em relação à ressurreição de Jesus, Tomé só aceita acreditar na própria experiência.

Sentimos que, nesse aspecto, Tomé exprime também o nosso desejo: quem é que de nós não deseja ver e tocar pessoalmente? Sobretudo nos momentos difíceis da vida, quando nos sentimos desorientados e perdemos a evidência da presença de Deus em nossa vida, gostaríamos que o Senhor nos desse uma prova palpável de sua presença e de seu amor. Por isso, a incredulidade de Tomé é vantajosa para nós: tocando Jesus, ele cura a nossa fé relutante (São Gregório).

Tomé poderia ter exigido outras provas. Poderia ter pedido que recebesse um sinal extraordinário no céu ou testemunhasse algum milagre extraordinário operado por Jesus. Ele, porém, fez questão de pedir que tocasse nas chagas de Jesus crucificado. “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei”. Fico pensando: se eu pudesse, o que pediria como prova?

As feridas, mais do que provas para verificar a verdade da ressurreição, são sinal do amor de Jesus que amou até o fim. Tomé entendeu que um Jesus sem tais marcas corporais não seria o verdadeiro; seria um mero produto da imaginação de pessoas exaltadas e histéricas. Ele pediu, portanto, que visse os sinais corporais do amor de Jesus, escolheu tocar nas feridas de amor que agora assinalam para sempre o seu corpo glorificado. Nesse sentido, foi iluminado pelo Espírito Santo tanto que suas palavras foram conservadas pelo Evangelho de João e seu pedido foi atendido por Jesus: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel”. De fato, Jesus nunca teria aceitado o pedido de prova de Tomé se tal não fosse correto em si e importante para nós.

Depois do encontro com o Ressuscitado, Tomé confessou: “Meu Senhor e meu Deus”. Confessa “meu” não por egoísmo, mas porque experimentou o amor personalíssimo do bom pastor que procura, até encontrar, a única ovelha que não acreditou. Ele entendeu que Jesus não ama geralmente, mas cada pessoa. Só quando se dá conta de ser amado como único, Tomé pode chegar à plenitude da fé.

O amor de Jesus é indivisível. Não pode ser feito em pedacinhos para que cada um possua uma parte. Cada um de nós recebe de Jesus todo o seu amor. O amor de Jesus se multiplica em relação a todos sem diminuir, nem se dispersar, tampouco se dividir em partes. É como a eucaristia: o pão e o vinho, consagrados no Corpo e Sangue de Cristo, se dão a todos sem diminuir nem se dividir. Ao receber a eucaristia, recebo o dom total de Jesus: corpo e alma, humanidade e divindade.

A experiência de Tomé pode ser também a nossa. Na eucaristia, Jesus ressuscitado se apresenta a nós com os sinais inequívocos de sua paixão e morte. Experimentamos que recebemos todo amor personalíssimo de Jesus. Podemos não só “ver e tocar Jesus”, mas sobretudo nos alimentar dele!

Não devemos nos assustar se encontramos dificuldades em nossa própria fé. Elas podem nos resgatar de uma fé superficial que se contenta em repetir fórmulas, sem crescer em confiança e amor. As dificuldades de Tomé em nós podem nos levar a um amadurecimento na fé.

O pedido de Tomé é importante para nós: será que não desejamos um Cristo diferente daquele que morreu e foi crucificado? Será que nosso desejo de encontrar Jesus é o de encontrar o Jesus do Evangelho, ou é um Jesus segundo nosso gostos e interesses?

Que São Tomé interceda por nós para buscar e desejar Jesus Cristo, que padeceu, morreu e ressuscitou.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba