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Celso Ming

Produtos primários e industrializados

No Brasil, foi o excelente desempenho das exportações de café e de açúcar que acumulou os capitais que permitiram o início da indústria de transformação a partir dos anos 50

23 de Abril de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Celso Ming.
Celso Ming. (Crédito: Arquivo Pessoal)

Antigo preconceito continua encontrando defensores no Brasil. É o de que a produção intensiva de bens primários prejudica o crescimento da indústria, não só porque concentra capitais em atividades de baixa densidade de valor, mas, também, porque suas fortes exportações tendem a derrubar a cotação do dólar no câmbio interno e, assim, prejudicam a competitividade da indústria.

Um dos equívocos deste ponto de vista é o de que o desenvolvimento industrial seja necessariamente incompatível com uma alta produção de bens primários. Os Estados Unidos, por exemplo, são o maior produtor de primários do mundo e, no entanto, também lideram em produção industrial. E, por lá, ninguém reclama de que a enorme produção de primários atrapalha a produção industrial.

O definhamento da indústria dos Estados Unidos, que se acelerou desde o início deste século, tem mais a ver com a concorrência da indústria asiática do que com o sucesso da produção de grãos, petróleo e minérios.

No Brasil, foi o excelente desempenho das exportações de café e de açúcar que acumulou os capitais que permitiram o início da indústria de transformação a partir dos anos 50.

Um dos argumentos recorrentes é o de que a exportação de primários pelo Brasil produz grande entrada de dólares e, portanto, a valorização do real que, por sua vez, tira competitividade da indústria nacional, porque favorece a entrada de importados e reduz a rentabilidade das exportações de manufaturados. 

Alguns dos economistas a criação de impostos sobre a exportação de produtos primários. É proposta de alto risco que tende a inibir o setor primário sem garantia de que a indústria se recupere. A Argentina tem há anos esse imposto (as tais retenciones) que incide sobre grãos e carne e, no entanto, a indústria de lá não consegue sequer competir no âmbito do Mercosul.

Mais de 70 anos de indústria no Brasil mostram que seus pontos fracos estão na excessiva proteção, na falta de acordos comerciais que abram mercado externo para os manufaturados e no chamado excessivo custo Brasil, que é sobrecarga de impostos, infraestrutura precária, burocracia e insegurança jurídica.

Nem sempre vale a pena agregar valor ao produto primário. A Vale não pretende produzir aço com seu minério. E como já ficou dito nesta Coluna em outras oportunidades, a Embraer é um sucesso, apesar do custo Brasil, apesar dos juros altos e do câmbio supostamente supervalorizado.

Protecionismos diferentes

Muitos analistas vêm apontando para o forte crescimento do protecionismo global sem, no entanto, fazer distinções sobre a motivação e a natureza de cada protecionismo. É preciso atenção a essas distinções porque, se é para buscar antídotos, é preciso também saber em que direção seguir.

Quando o então presidente Trump lançou seu “American First”, tinha por objetivo derrubar as importações da China. Foi um movimento carregado de xenofobia, que também procurou barrar agressivamente a entrada de imigrantes. Motivação semelhante tem o protecionismo europeu, que há décadas pretende proteger a pouco eficaz agricultura da região.

Também tem por objetivo criar condições de desenvolvimento da indústria nacional o protecionismo do Brasil. Isso se faz por meio de altas tarifas alfandegárias, por reservas de mercado (como na Lei de Informática) e imposição de cotas de importação (como as de veículos).

Mas o protecionismo mais evocado no momento é o que pretende reduzir a forte dependência de suprimentos obtidos no exterior. Outra onda protecionista tem a ver com a pandemia. A produção de muitos países e o fluxo da economia mundial de mercadorias e serviços se desorganizaram porque medidas para conter o avanço da Covid-19.

Este último bloqueio parece temporário e não deve exigir respostas protecionistas de longo prazo. Mas os outros são mais difíceis de desfazer ou porque carregam tintas ideológicas ou porque carregam exigências de segurança nacional.

Celso Ming é comentarista de economia