Natália Madia
Liberdade ainda que tardia
Lembrar da história do mártir nacional em pleno e conturbado século XXI, traz a esperança em dias melhores, o entendimento de que o sacrifício, feito pela causa certa, vale a pena
Na história da humanidade observa-se que as grandes mudanças nas sociedades ocorrem após imensos conflitos e sacrifícios. Em alguns casos o preço a se pagar é a própria vida. Foi justamente o que aconteceu com Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido como “Tiradentes”, que carrega este nome por ter sido dentista, entre vários outros ofícios.
Tiradentes consagrou-se nacionalmente devido a sua intensa participação na liderança da Inconfidência Mineira, revolta ocorrida em 1789, de caráter republicano e separatista, organizada pela elite socioeconômica da capitania de Minas Gerais contra o domínio colonial português, tendo como ideais o Iluminismo e a Revolução Americana, que resultou na independência dos Estados Unidos.
Além disso, a Inconfidência Mineira foi motivada pela insatisfação das elites de Minas Gerais com a pesada cobrança de impostos estabelecida pela Coroa Portuguesa sobre os colonos. Destacando-se, inclusive, o instituto da “derrama”, uma cobrança obrigatória e abusiva de impostos sobre a extração do ouro.
Contudo, o movimento conspiratório não chegou a se concretizar, pois os envolvidos foram denunciados por Joaquim Silvério dos Reis, em troca de saldar suas dívidas pessoais junto à Coroa Portuguesa. Também como prêmio por sua traição foi nomeado para o cargo de tesoureiro das províncias de Minas Gerias e Rio de Janeiro, recebendo uma mansão para moradia, pensão vitalícia e título de Fidalgo da Casa Real.
A prisão de Tiradentes e outros envolvidos ocorreu após a chamada “devassa” (investigação), sendo que muitos deles negaram sua participação no movimento, exceto Tiradentes. A sentença dos inconfidentes foi prolatada em 1792, sendo que somente Joaquim José da Silva Xavier foi condenado à morte. Ele foi enforcado em 21 de abril de 1792, na cidade do Rio de Janeiro. Em seguida, teve seu corpo esquartejado e espalhado pela estrada que levava a Ouro Preto/Minas Gerais, antiga Vila Rica.
A condenação de Tiradentes foi utilizada como demonstração de força e poder da Coroa Portuguesa para coibir novas rebeliões. Sua cabeça foi exibida em uma estaca colocada na praça central de Ouro Preto, sua residência foi queimada, o terreno salgado e sua descendência amaldiçoada.
Hoje Joaquim Xavier é lembrado e reverenciado no dia 21 de abril, feriado nacional. Tiradentes abriu caminhos e serviu de inspiração para a independência do Brasil e Proclamação da República, passos importantes para que ocorressem as grandes mudanças e chegássemos ao que se tem hoje, uma democracia, respaldada pela Constituição Federal de 1988, em que são garantidos os direitos basilares, fundamentais para se viver dignamente, descritos no artigo 5º.
A contradição de toda essa história é que Tiradentes foi julgando e condenado à morte por traição contra a rainha (sob a ótica da Coroa Portuguesa), quando na verdade ele é que foi traído, pelo então inconfidente e “mui amigo”, Joaquim Silvério dos Reis, que praticou verdadeira “delação premiada”.
A ganância do ser humano não tem limites, chegando a cegá-los. Quando se trata da conquista do poder e domínios, a camaradagem, as amizades, a lealdade, os ideais são esquecidos facilmente. Nesse ponto, faz-se uma pausa para lembrar de um exemplo vivo e contemporâneo sobre a ganância e ambição, evidenciando o quanto o poder pode cegar os homens, levando-os a atitudes abomináveis. Trata-se do conflito entre a Ucrânia e a Rússia. O primeiro país está sendo duramente atacado pela Rússia, liderada por seu governante Vladimir Putin, sedento pelo domínio da região, devido a interesses políticos diversos e escusos. Possuidor de um arsenal de guerra potencialmente devastador, traz insegurança e intranquilidade ao mundo todo.
Por fim, retomando à figura de Tiradentes, este serviu de inspiração ao povo brasileiro para que reagisse e deixasse de ser colônia do Império Português, subjugado e oprimido, e buscasse sua própria independência anos mais tarde. Liberdade, ainda que tardia! Aliás, esse era o lema dos inconfidentes, escrito em latim “Libertas quae sera tamen” e atualmente é estampado na bandeira do Estado Minas Gerais.
Joaquim José da Silva Xavier pagou com a própria vida por expressar abertamente os seus ideais republicanos, anticolonialistas, libertários e esperançosos quanto ao futuro da Nação. Lembrar da história do mártir nacional, ainda mais em pleno e conturbado século XXI, traz a esperança em dias melhores, o entendimento de que o sacrifício, feito pela causa certa, vale a pena. E assim Tiradentes encerrou, serenamente, seu discurso, minutos antes de sua execução à forca, em 21 de abril de 1792: “Pois seja feita a vontade de Deus. Mil vidas eu tivesse, mil vidas eu daria pela libertação da minha Pátria”.
Natália Madia é formada em Direito pela Faculdade de Direito de Sorocaba (Fadi) e pós-graduada em Direito Processual Penal pela Universidade Potiguar