Vanderlei Testa
O perfume do couro na sapataria
Colocar saltos, reformar e até engraxar os sapatos com uma tinta cheirosa e típica faz parte da história do início de minha adolescência
Quando eu tinha 12 anos de idade fui ser aprendiz na sapataria do Nilo. A sua oficina ficava em frente à Igreja do Bom Jesus, no bairro Além Ponte. Era pertinho de casa e a amizade do Nilo com os meus pais possibilitou esse aprendizado que durou um ano. Nunca mais esqueci o perfume do couro no sapato. Em meio às tachinhas, pé de ferro, martelo, linhas e apetrechos usados, eu aprendia nos consertos e na fabricação e venda de calçado novo.
A imagem de avental de couro surrado dava ao Nilo a delicadeza e trato com os consertos de meia sola. Colocar saltos, reformar e até engraxar os sapatos com uma tinta cheirosa e típica faz parte da história do início da minha adolescência. A poucos metros, na outra quadra da av. Nogueira Padilha, 436, tinha um artista em consertos e fabricação artesanal de sapato: Luiz Gomes.
Muitas pessoas citaram o seu nome. Segundo os seus filhos, Cesar, Vanderlei, Jefferson e Douglas, ele era o sapateiro mais antigo de Sorocaba, trabalhava no ramo desde 1942. Ao seu lado, com 10 anos, o filho Douglas Gomes ficava ajudando o pai na nobre profissão que o levou até aos 19 anos a seguir a mesma vocação.
Orgulhoso dessa fase de sua vida, o contador e professor Douglas contou-me essa sua experiência. Fomos vizinhos na infância e amigos até hoje, dele e dos seus irmãos. O Luiz Gomes foi um pai e marido exemplar. Torcedor do São Bento, se dedicou de corpo e alma ao time do coração.
Este tema é uma homenagem aos sapateiros de Sorocaba. São dezenas de profissionais que deixaram lembranças na memória e vida dos leitores. Marcos Madureira destacou o sapateiro Zé Bettio como uma das lendas de consertos de calçados na cidade.
A Jonirce Muchon, citou o mesmo Zé Bettio e sua oficina na rua da Penha, fazendo botinas com sola de borracha de pneu. Dionete Serrano citou o Geraldo, da rua Sevilha, que fazia “milagres” para deixar o sapato novo.
Selma Fontolon, contou que o seu avô Antonio Giron trabalhou anos como sapateiro da loja Theodoro Calçados. Willian Hannickel ia ao Nastre sapateiro, em sua oficina ao lado da rua Rui Barbosa. O “seu Luiz” sapateiro, na rua Newton Prado, teve muitas indicações dos moradores de Sorocaba. Luciane Garcia é uma delas.
Para Roberto Ernesto da Silva, sobrinho do Luiz Miguel Mahuad, conhecido como “lebrinha”, o seu tio foi uma lenda em sapataria na região central. Damião Carlos Francisco ressaltou o Cláudio sapateiro, da avenida São Paulo, na sua história de consertos de sapatos. João Henrique Aguiar citou o Rubinho Rubião, sapateiro da rua Rosália Speers. Ele continua até hoje com a sua oficina.
O jornalista José Benedito Almeida Gomes conviveu com os pioneiros na comercialização dos couros e vaqueta. Citou o Romão dos Santos, Landulpho, Marthe e outros. Sobre os curtumes de Sorocaba, teve um da família Mendes.
O Theodoro Mendes tinha uma loja na rua Dom Antonio Alvarenga. A Isis Calegari se lembra do Eloy sapateiro na rua Brigadeiro Tobias. O médico Luiz Samuel Tabacow recordou do Américo sapateiro, na rua Barão do Rio Branco. José Bellini contou que ia ao Lico sapateiro, no bairro dos Pinheiros.
O saudoso Juvenal de Campos conquistou a sua clientela como sapateiro e radialista, disse Luiz Antonio Stievano. Doraci Sola Galera contou que o seu tio Cruz, sapateiro, era um espanhol que se dedicava muito à profissão. Tinha oficina na rua Sevilha.
Marisa Schechtel se lembrou do Gilberto, com a sua loja de consertos na avenida Nogueira Padilha. O Antônio Tabajara frequentava a sapataria do Paco surdo, na rua Francisco Glicério. A Maria Lúcia Hidalgo Terci têm lembranças de família em sapataria, com o tio Joaquim Nastri.
A sua oficina era na esquina da rua Cláudio Furquim. Ademilson Lolatta levava os sapatos para o sapateiro Bije, na Vila Assis. Na avenida Paraguai, o João sapateiro era o escolhido para os consertos da Nilcéia Barbosa.
Álvaro Curraleiro Jamad destacou o Sílvio sapateiro, da avenida Nogueira Padilha. No mesmo bairro, perto do Sílvio, tinha o Joaquim sapateiro, na rua Fernão Sales. Na mesma rua, o Isidoro Saballero sapateiro foi citado pelo Sidney Haro Firmo.
O Guerino Sabadin, na Vila Santana, também foi um dos pioneiros do bairro em sua oficina de consertos de sapatos. Na rua Santa Maria, esquina com Newton Prado, o destaque era o sapateiro João, lembrou o Nelson Matielli.
O pai da Teresa Barroso, o sapateiro Durvalino Onofre, atendia os clientes para consertos de calçados da vizinhança da rua Nogueira Padilha. “Hoje ele tem 90 anos e muito saudável”, disse a filha. O tio da Mariângela Camisa era um dos sapateiros conhecidos dos torcedores corintianos. O Flávio Leite sapateiro, segundo a Mariângela, tinha oficina na rua Constantino Senger.
Na minha infância na rua Santa Maria, onde morei, tinha a sapataria do Bagatin. Esse fato foi lembrado pelo José Carlos Gil, filho do Benino Gil, que trabalhou nessa sapataria em frente ao casarão da fábrica de tecidos.
Curioso é que o Benino era funcionário da tecelagem até às 13h30 e depois ia à sapataria cortar couros para o Bagatin. Marcos Dini, do bairro Além Ponte, se recorda do seu tio João Rodrigues, sapateiro na rua Newton Prado.
O Carlos Renato de Jesus, chamado de Carlito, era militar e nas horas vagas exercia a função de sapateiro, contou a sua filha Renata Filomena de Jesus. Um fato relatado pelo Derville Souza é também curioso. Ele contou que o goleiro Ceci, do São Bento, em seus tempos de jogador, era também sapateiro. Valter Prado Bernabé tem orgulho do seu pai, o Paco sapateiro.
O mesmo contou a Inês Tanze sobre o seu papai, João, sapateiro na avenida Paraguai. O Eliezer Bonani, filho do Francisco Firmo, afirmou que ele era um mestre em sapataria nos anos 70, na oficina da rua Quinzinho de Barros.
Vanderlei Testa ([email protected]) é jornalista e publicitário e escreve às terças-feiras no jornal Cruzeiro do Sul