Malu Nunes
A guerra, o clima e a transição energética
O conflito renova o desafio de reduzir o consumo de energia gerada por fontes que causam maior impacto ambiental e acelera a necessidade de ampliar o uso de energia limpa
A invasão da Ucrânia pelas tropas russas lançou a humanidade em um novo período de crise e incertezas. Além da tragédia humanitária, com todo o sofrimento que um conflito armado dessa magnitude é capaz de gerar, são inevitáveis as consequências econômicas, sociais e ambientais. Logo após o aguardado cessar-fogo, teremos muitas lições a aprender e obstáculos adicionais a superar para a possibilidade de um futuro melhor.
A guerra também tem gerado discussões na perspectiva das energias limpas e renováveis e das mudanças climáticas. A influência do abastecimento de petróleo e gás russos, especialmente na Europa, traz desdobramentos globais do ponto de vista econômico. O aumento no preço da gasolina, independentemente de o combustível ser de origem russa ou não, reflete no valor de todos os produtos transportados pelas rodovias.
Esse efeito cascata provocado principalmente pela variação do preço dos combustíveis fósseis tem sido visto frequentemente aqui no Brasil, sem qualquer relação com a guerra. Entretanto, o momento que vivemos leva mais pessoas e tomadores de decisão de muitas nações a repensarem e buscarem alternativas energéticas renováveis e mais limpas, o que certamente traria impactos positivos para o planeta, diminuindo a emissão de gases de efeito estufa (GEE).
Fortemente dependente do petróleo e do gás russos, a União Europeia apresentou recentemente um plano para acelerar a transição energética, com o compromisso de ampliar o uso de fontes renováveis. A medida é muito positiva e vai na direção correta, pois o setor energético é responsável por cerca de 35% das emissões de GEE no mundo. No entanto, os sinais dessa mudança ainda são contraditórios.
Para diminuir a dependência do gás da Rússia, os europeus terão de aumentar a queima de carvão, fonte que ainda representa mais de 16% da matriz energética do continente e causa maior impacto ambiental por liberar dióxido de carbono na atmosfera e produzir efluentes tóxicos no seu processo de queima. Se a situação é crítica na Europa, na Ásia o cenário não é muito diferente. A China, maior emissora de gases do planeta, também precisa encontrar alternativas para suprir a demanda por mais energia para sustentar a expansão de 5,5% de sua economia prevista para este ano. Aumentar o uso do carvão é a principal alternativa por lá.
Todos esses movimentos tornam ainda mais importante a cooperação internacional em torno do clima. Na COP26, realizada na Escócia em novembro último, uma coalizão formada por mais de 70 países firmou compromisso de eliminar gradualmente o uso de energia à base de carvão, que em níveis globais representa cerca de 37% da produção de energia. Muita expectativa foi gerada para a COP27, que deve acontecer em novembro deste ano, no Egito, no sentido de aprofundar e ampliar os compromissos dos países mais desenvolvidos.
Mas a discussão não fica restrita aos países que mais emitem GEE. O Brasil, que gera 48% de sua energia por fontes renováveis, especialmente graças ao sistema de hidrelétricas, pode melhorar ainda mais seu desempenho. Pelas características de nosso território e nosso clima privilegiado, temos totais condições de aumentar o uso das fontes eólica e solar, muito mais limpas e sustentáveis. Atualmente, a energia produzida a partir da força dos ventos representa 10,9% da nossa geração, enquanto a solar responde por cerca de 2%.
Precisamos, simultaneamente, reduzir o consumo de fontes que causam maior impacto ambiental e acelerar o uso de energia limpa, com incentivo à inovação e mais participação de toda a sociedade. Em tese, no futuro, todos os telhados brasileiros poderiam ser uma pequena fonte de energia renovável, por exemplo.
Grandes decisões precisam ser tomadas agora em todo o planeta. Nossas escolhas poderão aprofundar a crise ambiental e climática, com seus graves impactos socioeconômicos, ou contribuir com a construção de um modelo econômico mais justo e inclusivo, que promova o equilíbrio entre as emissões e a remoção de gases que causam efeito estufa na atmosfera. Diante das eleições gerais que teremos no País neste ano, o momento é mais que oportuno para aprofundar esse debate. Que saibamos compreender a importância de nossas escolhas para um futuro sustentável.
Malu Nunes é diretora executiva da Fundação Boticário de Proteção à Natureza e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza