Nelson Fonseca Neto
Tatuagem
Conheço pessoas com mais de sessenta anos que carregam tatuagens numa boa. Não era assim quando fiz a minha
Tenho uma tatuagem no antebraço direito. Ela tem uns dez centímetros de comprimento e uns cinco de largura. É uma caricatura do Groucho Marx fumando um charuto. Formando um arco, logo acima da cabeça do desenho, os dizeres “You bet your life” (“Você aposta sua vida”), nome do programa de TV que Groucho Marx comandava nos anos 50. Um dia ainda escrevo os motivos pelos quais venero os Irmãos Marx. Hoje eu pretendo tratar de tatuagens.
A que eu tenho foi feita há dezesseis anos. Acho que aquela época era engraçada. A tatuagem já não era estigma de bandidagem, mas não era tão disseminada como hoje. É fácil avaliar o que estou dizendo. Hoje, quando um adulto faz uma tatuagem, não há grandes problemas. Conheço pessoas com mais de sessenta anos que carregam tatuagens numa boa. Não era assim quando fiz a minha.
Naquela época eu era solteiro e apreciava baladas e barzinhos. Hoje soa inacreditável para mim, mas eu gostava de agitação. Dá tontura só de relembrar aqueles tempos. Atualmente, a minha ideia de aventura é consumir dois sorvetes de casquinha na sexta à noite. Juro que não estou fazendo graça.
Mas voltemos à tatuagem. Quinze, dezesseis anos atrás, nos barzinhos e nas baladas, alguém sempre perguntava o que significava o desenho no meu antebraço direito. É que a execução da tatuagem não foi primorosa. Muita gente acha que, em vez do Groucho Marx fumando um charuto, carrego o Seu Madruga comendo uma salsicha. Bom, não importa. O que eu queria dizer é que a tatuagem era algo que se destacava mais no começo dos anos 2000, e não necessariamente porque o desenho era ridículo. Qualquer tatuagem chamava atenção. Acho que me enrolei aqui.
Considerando que a minha tatuagem rende interpretações equivocadas, alguém poderia perguntar se me arrependo de ter homenageado Groucho Marx. Respondo, honestamente, que não. De qualquer modo, parei no desenho que está no antebraço direito. Só tenho uma tatuagem. Medo de ser execrado pela sociedade sorocabana? Nada disso. Eu apenas não consigo imaginar o que combina com o Groucho Marx fumando um charuto.
É que, neste campo, sou mais inclinado ao Classicismo que ao Barroco. Não lido bem com a exuberância e com as idas e vindas. Estou falando do universo das tatuagens, que fique claro. Não sei se eu dormiria em paz se visse o Groucho Marx perto do Tolstói. Ou perto de uma frase do Machado de Assis. Ou perto de um poema do João Cabral de Mello Neto. Groucho Marx está de bom tamanho.
Eu já disse aqui que toco a vida apoiado nas muletas da sinédoque. Aquela história da parte pelo todo. Ou seja: vejo uma parte minúscula de alguma coisa e já saio pensando em cenários monumentais. Isso serve para roupas, por exemplo. A partir de uma camisa, faço um perfil psicológico do sujeito que a está vestindo. Claro que faço isso discretamente. Não divido com ninguém esse tipo de caraminhola. Mentira: divido com a Patrícia.
Serve para camisas, serve para tatuagens. Vejo uma tatuagem e penso na personalidade de quem a carrega. Não estou julgando ninguém aqui. Quem carrega no antebraço direito um desenho que é confundido com o Seu Madruga comendo uma salsicha não pode ser árbitro de nada. De qualquer forma, não posso ignorar o mundo ao meu redor.
Rosas colombianas, rostos de bebês, versículos bíblicos, fachadas de monumentos, ideogramas, números que registram algo relevante, tudo isso não pode ser encarado como aleatório ou gratuito. São desenhos que dizem muito sobre as pessoas que os carregam.
Dureza é quando bate o arrependimento. Tatuar o nome da pessoa amada pode vir a ser uma baita encrenca. E se as coisas desandam? Trabalhão ajeitar o esquema. E se as pessoas que ostentam tatuagens passarem a ser alvo de tiração de sarro? Tatuagem não é que nem calça de veludo, que a gente esconde bem no fundo do armário quando a moda passa.
Quem inventar a engenhoca que apagará, a preços módicos, sem dor, as tatuagens será o Elon Musk dos próximos anos.